27 de outubro de 2009

PIETA E SEU PORQUINHO COR-DE-ROSA

"Pieta, esse é seu único vestido?", perguntou a missionária. A menina filipina, de semblante triste, timidamente olhou para ela. Então explicou: "Meu senhor é espanhol. Meu pai me vendeu para ele há muito tempo para pagar uma dívida. Ele não me deixa usar outro vestido, senão este feito de pano de saco".

A senhora Wightman, a missionária, olhou com pena para aquele pobre vestido. Era apenas um saco de farinha, velho e desbotado, virado de cabeça para baixo. Buracos rudes tinham sido feitos em baixo e nos lados do saco, para passarem a cabeça e os finos braços da menina. "Deixe-me fazer-lhe um vestido, Pieta", disse a senhora impulsivamente. "Seu senhor não irá ligar se ele não tiver que pagar, não é?"

Um olhar de medo atravessou o rosto da menina, enquanto ela abanava a cabeça vigorosamente. "Obrigada, mas a senhora não entende. Meu senhor é um beberrão e mui cruel. Se eu chegasse em casa com um vestido novo, ele ficaria desconfiado e bravo. Ele me espancaria e depois venderia meu vestido para comprar mais bebida. Ele diz que escravos devem usar as coisas mais fajutas porque não custam nada".

A senhora Wightman, uma jovem missionária nas Ilhas Filipinas, estava dando aulas diárias para crianças num grande pavilhão. Ela tinha descoberto que a hora da "siesta" (descanso depois do almoço) era uma ótima hora para ajuntar as crianças, pois os pais estavam contentes em tê-las longe de suas casas, para que eles pudessem descansar em paz. A classe tinha crescido e mais de cem meninos e meninas vinham correndo assim que a missionária aparecia. Quando as crianças entravam alegremente e barulhentas, Pieta ficava triste atrás das outras crianças com seu vestido gasto.

Um dia, a missionária chamou Pieta novamente ao seu lado. "Eu já decidi a respeito do seu vestido. Vou fazer-lhe um bonito vestido, igual ao que as outras meninas usam. Todo dia eu o trarei comigo para a classe e você o vestirá antes que os outros cheguem. Você poderá usá-lo enquanto as crianças estiverem aqui e, ao sair, o deixará comigo. Gostaria de fazer isto?"

O olhar de Pieta foi a resposta. "Oh! A senhora poderia fazê-lo de cor-de-rosa e com babados, por favor?" Ela sussurrou alegremente.

Nos dias seguintes, a radiante Pieta em seu bonito vestido cor-de-rosa, sentava na primeira fileira; seu faminto coração acolhia cada palavra das histórias bíblicas.

Era a Páscoa e a senhora Wightman contou a história do sofrimento e morte do Salvador Jesus pelos pecados do mundo. Inesperadamente, Pieta a interrompeu:

"Eu sei o que mais machucou o Senhor Jesus".

"O que você quer dizer, Pieta?"

"Algumas vezes, quando eu tenho sido malvada, o meu senhor fica bravo comigo e me pendura na cerca", disse a menina. "Ele amarra arame em volta do meu corpo até eu pensar que vou morrer. O arame machuca meus pulsos e a dor se espalha por todo o corpo, mas a dor mais terrível é bem aqui!" E ela passa a mão no seu coração. "É a dor mais terrível de todas e eu tenho certeza que foi isto que mais machucou o Senhor Jesus".

A missionária ficou chocada ao ouvir do tratamento cruel que a menina tinha sofrido, mas continuou: "Você está certa, Pieta. O Senhor Jesus sofreu mais no Seu coração. Não só por causa da terrível dor da crucificação, mas porque todos os nossos pecados foram postos nEle por Deus e então Deus O deixou sozinho para sofrer o castigo que nós merecíamos".

"Oh! Eu queria que Ele tivesse morrido por mim, também!" Pieta falou com ansiedade marcada em sua voz.

"Ele morreu por você, Pieta", assegurou-lhe a missionária. "Você pode recebê-Lo como seu Salvador agora mesmo!"

"Mas a senhora se esqueceu que eu sou uma escrava? Escravas não podem ser salvas, pois meu senhor me disse que uma escrava não tem alma".

Quão feliz estava a sra Wightman em poder contar-lhe a hïstória de Onésimo, no livro de Filemom. Apesar de ser um escravo e de ter pecado grandemente, Onésimo tinha aceitado o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador e foi perdoado. Então ela pediu a Pieta que, depois da aula terminar, ela ficasse para poderem conversar juntas.

Quando estavam sozinhas, depois dos outros terem ido embora, lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Pieta. "É maravilhoso que o Senhor Jesus me ama! Eu não consigo lembrar-me de outra pessoa que me tenha amado. Mas eu receio que sou muito ruim para pertencer a Ele!"

"Como assim, Pieta?"

"As vezes, meu senhor me manda à loja para comprar um repolho e eu lhe roubo uma das moedas para comprar um doce para mim. Outras vezes, quando ele é cruel para mim, eu cuspo na água que retiro da cisterna; outras vezes... bem, faço muitas coisas feias!"

"Pieta, é por causa destas coisas que o Senhor Jesus morreu. Jesus já pagou o castigo que você merece, ao morrer sobre a cruz. Ele quer ser seu Salvador".

"Eu quero pertencer a Ele? Como posso dizer-Lhe que eu O quero?"

"Você está lembrada do corinho que cantamos hoje, aquele que diz: 'Lava-me e serei mais branco que a neve'? Por que você não pede para o Senhor Jesus fazer isto por você agora mesmo?"

Olhando para o céu, Pieta orou com simplicidade: "Senhor Jesus, lava-me e serei mais branca que a neve". Depois de um momento, ela disse tristemente, olhando para sua professora: "Ele não o fez. Eu me sinto como antes".

"Escute este versículo, Pieta: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo. O que a palavra "crê" significa na sua língua?"

"Significa 'confiar em alguém, aceitar que é assim', ela respondeu pensativa. "Já sei! Eu Lhe pedi que me deixasse mais branca que a neve. Não importa como eu me sinta. Eu posso confiar que Ele cumprirá Sua promessa e o fará!" O rosto molhado de lágrimas começou a brilhar. "Espere até eu contar para o meu senhor! Eu acho que ele não sabe nada sobre isto e eu quero que ele também seja salvo, pois ele é tudo que eu tenho".

No dia seguinte, quando a missionária ajudava Pieta a vestir o seu vestido cor-de-rosa, ela notou uma porção de machucados em seu magro corpo. Pieta explicou: "Meu senhor me xingou e disse que o que a senhora me ensina é tudo mentira e, depois, me bateu. Não sei porque ele estava bravo. É uma história tão boa! Ajude-me a orar para que um dia ele entenda que é uma história verdadeira a história de Jesus". E perguntou: "Haveria alguma coisa que eu pudesse fazer pelo Senhor Jesus por ter me amado tanto?"

A sra. Wightman deu-lhe a responsabilidade de todo dia varrer o pavilhão e, daquele momento em diante, ele estava tão lindo como uma menininha poderia deixá-lo.

Então vieram os dias de muita chuva e de vento. Ventos do nordeste curvavam os coqueiros e as bananeiras até o solo, arrancavam o telhado das casas e jogavam grandes ondas sobre a ilha. Torrentes de água caíam com fúria, era uma chuva que parecia interminável. Era um dos terríveis furacões e, quando a tempestade terminou, muitos estavam desabrigados e alguns tinham morrìdo.

Quando puderam ter novamente sua aula, os meninos e as meninas tinham muitas histórias excitantes para contar e algumas eram histórias bem tristes. A missionária reparou que Pieta estava sentada em seu lugar de costume, mas que não estava sozinha! A seu lado havia um porquinho cor-de-rosa!

"Ora, Pieta, de onde veio este porquinho?"

"Ele é todo meu!" Pieta respondeu com orgulho. "Quando a água corria por nosso quintal, este porquinho veio flutuando nela. Eu pensei que ele estava morto e quase estava. Eu o peguei com um pau e cuidei dele e agora está melhor. Eu já perguntei em todas as casas, mas ninguém sabe de onde ele veio ou quem é seu dono. Então, agora é meu!"

"Isto é muito bom", sorriu a missionária. "Mas seria melhor deixá-lo em casa, pois esta é uma classe para meninos e para meninas e ele poderá atrapalhar a aula".

O medo brilhou nos olhos escuros de Pieta. Ela pegou seu porquinho e o segurou com força. "Não! Não! Não! Eu nunca poderia deixá-lo em casa. Se ele não pode vir, eu tenho que ficar em casa com ele. A senhora não entende. Se eu o deixar em casa, meu senhor pode comê-lo ou vendê-lo e ele é meu porquinho! Ele é a única coisa que eu jamais tive que é toda minha. Ele é para mim algo muito importante!"

"Por que ele é tão importante assim para você?", perguntou a sra. Wightman.

"Quando ele estiver grande, gordo e forte, então eu o darei ao Senhor Jesus. Ele já me deu tanto e eu nunca tive nada para dar a Ele. Eu não estou deixando meu senhor alimentá-lo porque aí ele diria que o porco lhe pertence. Eu estou pedindo comida e lavagem aos vizinhos".

"Eu entendo, Pieta", assegurou-lhe a missionária. "Se você conseguir que ele fique quieto para não nos atrapalhar, você pode trazê-lo sempre".

E assim, o porquinho de Pieta se tornou um fiel membro da classe. Passaram-se semanas e até meses e a sra. Wightman podia ver que a menininha filipina estava tornando-se uma cristã firme. Seu porco também crescia! Um dia, ele apareceu com um laço vermelho em volta de seu gordo pescoço e o sorriso no rosto de Pieta levou sua professora a perguntar: "Hoje é um dia especial, Pieta?"

A menina disse com entusiasmo que "Hoje é o dia que quero dar meu porco ao Senhor. Veja como ele está grande e gordo! Eu não gosto do jeito como meu senhor fica olhando para ele. Amanhã é seu aniversário e eu receio que ele deseje fazer uma festa para seus amigos com meu porco. A senhora daria ele para o Senhor Jesus por mim, hoje?"

Depois de pensar cuidadosamente, a missionária perguntou: "Você gostaria que eu o levasse ao mercado e o vendesse? Poderíamos usar o dinheiro para comprar Bíblias e livrinhos que contam a história da salvação para darmos a pessoas que não ouviram do Senhor Jesus".

Pieta concordou e, depois da aula, a sra. Wightman e o porco de Pieta foram ao mercado. No dia seguinte, Pieta não veio à aula.

Quando três dias se passaram sem ela vir, a sra. Wightman perguntou se alguém sabia se ela estava doente. As crianças se entreolharam com medo. Então um menino disse: "A senhora não sabe? O senhor dela ficou tão bravo quando descobriu que ela tinha vendido seu porco e nem tinha o dinheiro que lhe bateu muito. Ele tinha planejado fazer uma festa com seus amigos. Surrou-a com tanta crueldade que um olho já foi e pensamos que ela está morrendo!"

Horrorizada e com temor no coração, a missionária despediu as crianças e correu para a pequena casa onde tinha sido informada que Pieta vivia com o espanhol. Era uma típica casa de um quarto, construída sobre paus para ficar por cima das águas durante as enchentes. Embaixo da casa, no meio dos porcos, frangos e lavagem, ela viu Pieta.

Engatinhando para baixo da casa, a missionária sentou ao seu lado e pegou a criança doente em seus braços. A pele quente de Pieta indicava a forte febre de que estava possuída e, enquanto a segurava, a menina teve uma convulsão. Lágrimas escorreram pelo rosto da missionária e ela disse: "Oh, Pieta! O que ele fez para você? O que ele fez para você?"

O pequeno corpo estava imóvel em seus braços. Após algum tempo a menina recuperou a consciência. Olhando para ela com seu único olho, Pieta perguntou com voz fraca: "A senhora está chorando? Por que está chorando? A senhora não está chorando por mim, está?"

A missionária não conseguiu responder e Pieta continuou: "Não chore por mim! Eu estarei no céu com o Senhor Jesus logo, logo, e estou tão contente por isso! Por favor, nâo chore por mim, eu mal posso esperar".

Então a sra. Wightman perguntou: "Você acha que conhecerá o Senhor Jesus quando estiver com Ele?"

Pieta respondeu: "Claro que O conhecerei! Ele é o único que terá marcas de pregos nas mãos e nos pés!" Após um minuto, ela sussurrou, olhando para cima de novo: "Quando eu for, a senhora orará por meu senhor, não é? Ele é tudo que eu tenho e eu quero que ele se salve".

Foi difícil para a sra. Wightman responder, pois as lágrimas a engasgavam. Ela sentia tanto ódio contra aquele homem, mas Pieta esperava a resposta e, finalmente, ela conseguiu falar: "Sim, Pieta, eu orarei por sua salvação".

Em poucos minutos, Pieta ficou imóvel em seus braços e a missionária percebeu que seu espírito tinha ido para junto do Salvador a Quem ela tanto amava. Segurando o corpo mole da criança, ela saiu de debaixo da casa e lentamente subiu os degraus. Abrindo a porta com o pé, ela entrou no quarto onde estava o espanhol, com uma garrafa na mão.

Por um momento, a missionária e o homem se encararam. Então, a senhora Wightman disse: "Olhe para Pieta! Ela está morta! Você a matou!"

"E eu com isso?", respondeu grosseiramente o homem. "Ela não tinha alma. Ela era somente uma menina escrava e eu tinha o direito de fazer o que queria com ela. Ela era minha propriedade".

A missionária estava tremendo, mas conseguiu responder: "Sim, ela tinha uma alma e você sabe disso. Pieta agora está no céu. Você é um assassino cruel aos olhos de Deus".

"Saia daqui! Eu não tenho nada a ver com Deus e nem com as coisas que você ensina! Saia daqui!"

"Eu irei num instante, mas antes tenho algo a lhe dizer. Um pouco antes de morrer, Pieta me pediu para fazer algo muito difícil. Ela pediu-me que orasse por você. Ela o amava, apesar de sua crueldade, e queria que se salvasse do castigo etemo. Eu guardarei minha promessa feïta a Pieta. Eu orarei para que Deus lhe mostre como você é pecador e que você venha a Ele para obter Seu perdão".

Em casa, a missionária lavou os machucados de Pieta e a vestiu com seu vestido cor-de-rosa de que ela tanto gostava. Com alguns crentes filipinos, tiveram um enterro cristão. Então a sra. Wightman contou-lhes a história toda e lhes pediu: "Orem comigo para que este homem cruel aceite o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador".

Eles concordaram em orar e orar continuamente, até que este homem fosse salvo. Durante a quarta noite de oração, eles escutaram passos. Olhando para fora, viram o espanhol, cambaleando para dentro do quarto onde eles estavam.

"Há misericórdia em Deus para um homem tão cruel como eu?", ele perguntou. Seus olhos estavam vermelhos e parecia que não tinha comido nem dormido por algum tempo.

Caindo de joelhos, o homem esvaziou seu coração perante Deus, confessando o seu pecado e sua necessidade de Cristo como Salvador. Os crentes mostraram-lhe pela Palavra de Deus que a morte do Senhor Jesus no Calvário tinha pago a sua dívida e ele recebeu o dom da salvação de Deus.

A mudança na vida deste homem foi vista por todos. Imediatamente ele foi ter com seus colegas e lhes compartilhou o que Deus tinha feito por ele. Logo o seu testemunho estava ganhando outros para o Salvador.

A guerra veio com todos os seus horrores. Pearl Harbour foi bombardeada e os japoneses estavam em todo lugar, forçando os filipinos a se prostrarem diante do Imperador japonês. Um dia, o espanhol recebeu ordem para se prostrar.

Sem medo, ele disse que não, pois só adoraria o Deus vivente que o tinha salvo dos seus caminhos cruéis.

Houve um momento de espanto e de silêncio! A ordem foi repetida furiosamente. "Prostre-se para o Imperador ou morra!"

O espanhol não se moveu.

Uma ordem foi seguida de tiros e o espanhol estava com o Salvador a Quem ele aprendera a amar até à morte, e com Pieta, em resposta à sua oração!

Pieta e seu porquinho cor-de-rosa
"Histórias Missionárias para Adolescentes"
Margaret J. Tuininga - Edições Cristãs, 1985

16 de outubro de 2009

CARTA AO APÓSTOLO PAULO

Conta-se que o Apóstolo Paulo enviou seu currículo para uma determinada Junta de Missões oferecendo-se para trabalhar como missionário. Depois de algumas semanas, o Secretário da Junta escreveu-lhe esta carta, justificando por que não poderia aceitá-lo.

Ao Reverendo Saulo Paulo, Missionário Independente em Roma, Itália
Caro Sr. Paulo:

Recebemos recentemente seu currículo, exemplares de seus livros e o pedido para ser sustentado pela nossa Junta como missionário na Espanha. Adotamos a política da franqueza com todos os candidatos. Fizemos uma pesquisa exaustiva no seu caso. Para ser bem claro, estamos surpresos que o senhor tenha conseguido até aqui "passar" como missionário independente.
Soubemos que sofre de uma deficiência visual que, algumas vezes, o incapacita até para escrever. Essa certamente é uma deficiência grande para qualquer pessoa. Nossa Junta requer que o candidato tenha boa visão, ou que possa usar lentes corretoras.
Em Antioquia, o senhor provocou um entrevero com Simão Pedro, um pastor muito estimado na cidade, chegando a repreendê-lo em público. O senhor provocou tantos problemas que foi necessário convocar uma reunião especial da Junta de Apóstolos e Presbíteros em Jerusalém. Não podemos apoiar esse tipo de atitude.
Acha que é adequado para um missionário trabalhar meio turno em uma atividade secular? Soubemos que fabrica tendas para complementar seu sustento. Em sua carta à igreja de Filipos, o senhor admite que aquela é a única igreja que lhe dá algum suporte financeiro. Não entendemos o porquê, já que serviu a tantas igrejas.
É verdade que já esteve preso diversas vezes? Alguns irmãos nos disseram que passou dois anos na cadeia em Cesaréia e que também esteve preso em Roma, e em outros lugares. Não achamos adequado que um missionário da nossa Junta tenha folha corrida na Polícia.
O senhor causou tantos problemas para os artesãos em Éfeso que eles o chamavam de "o homem que virou o mundo de cabeça para baixo". Sensacionalismo é totalmente desnecessário em Missões. Deploramos, também, o vergonhoso episódio de fugir de Damasco escondido em um cesto.
Estamos admirados em ver sua falta de atitude conciliatória. Os homens elegantes e que sabem contemporizar não são apedrejados ou arrastados para fora dos portões da cidade, tampouco são atacados por multidões enfurecidas. Alguma vez parou para pensar que palavras mais amenas poderiam ganhar mais ouvintes? Remeto-lhe um exemplar do excelente livro "Como Ganhar os Judeus e Influenciar os Gentios", de Dálio Carnego.
Em uma de suas cartas, o senhor referencia a si mesmo como "Paulo, o velho". As normas de nossa Missão não permitem a contratação de missionários além de uma certa idade.
Percebemos que é dado a fantasias e visões. Em Trôade, viu "um homem da Macedônia" e em outra ocasião diz que "foi levado até o Terceiro Céu e que ouviu palavras inefáveis". Afirma ainda que viu o Senhor e que ele o confortou. Achamos que a obra de evangelização mundial requer pessoas mais realistas e de mente mais prática.
Em toda a parte por onde andou, o senhor provocou muitos problemas. Em Jerusalém, entrou em conflito com os líderes do seu próprio povo. Se alguém não consegue se relacionar bem com seu próprio povo, como pode querer servir no exterior? Dizem que tem o poder de manipular serpentes. Na ilha de Malta uma víbora se enroscou no seu braço, picou-o, mas nada lhe ocorreu. Isso soa muito estranho para nós. O senhor admite que enquanto esteve preso em Roma, "todos o esqueceram". Os homens bons nunca são esquecidos pelos seus amigos. Três excelentes irmãos, Diótrefes, Demas e Alexandre, o latoeiro, disseram-nos que acharam impossível trabalhar com o senhor e com seus planos mirabolantes.
Soubemos que teve uma discussão amarga com um colega missionário chamado Barnabé e que acabaram encerrando uma longa parceria. Palavras duras não ajudam em nada a expansão da obra de Deus.
O senhor escreveu muitas cartas às igrejas onde trabalhou como pastor. Em uma delas, acusou um dos membros de viver com a mulher de seu falecido pai, o que fez a igreja ficar muito constrangida e a excluir o pobre rapaz.
O senhor perde muito tempo falando sobre a segunda vinda de Cristo. Suas duas cartas à igreja de Tessalônica são quase totalmente devotadas a esse tema. Em nossas igrejas, raramente falamos sobre esse assunto, que consideramos de menor importância.
Analisando friamente seu ministério, vemos que é errático e de pouca duração em cada lugar. Primeiro, a Síria, depois, Chipre, vastas regiões da Turquia, Macedônia, Grécia, Itália, e agora o senhor fala em ir à Espanha. Achamos que a concentração é mais importante do que a dissipação dos esforços. Não se pode querer abraçar o mundo inteiro sozinho.
Em um sermão recente, o senhor disse "Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Cristo". Achamos justo que possamos nos gloriar na história da nossa denominação, no nosso orçamento unificado, no nosso Plano Cooperativo e nos esforços para criarmos a Federação Mundial das Igrejas. Seus sermões são muito longos. Em certa ocasião, um rapaz que estava sentado em um lugar alto, adormeceu após ouvi-lo por várias horas, caiu e quase quebrou o pescoço. Já está provado que as pessoas perdem a capacidade de concentração após trinta ou quarenta minutos, no máximo. Nossa recomendação aos nossos missionários é: Levante-se, fale por trinta minutos, e feche a boca em seguida.
O Dr. Lucas nos informou que o senhor é um homem de estatura baixa, calvo, de aparência desprezível, de saúde frágil e que está sempre agitado, preocupado com as igrejas e que nem consegue dormir direito à noite. Ele nos disse que o senhor costuma levantar durante a madrugada para orar. Achamos que o ideal para um missionário é ter uma mente saudável em um corpo robusto. Uma boa noite de sono também é indispensável para garantir a disposição no trabalho no dia seguinte.
A Junta prefere enviar somente homens casados aos campos missionários. Não compreendemos nem aceitamos sua decisão de ser um celibatário permanente. Soubemos que Elimas, o Mágico, abriu uma agência matrimonial para pessoas cristãs aí em Roma e que tem nomes de excelentes mulheres solteiras e viúvas no cadastro. Talvez o senhor devesse procurá-lo.
Recentemente, o senhor escreveu a Timóteo dizendo que "lutou o bom combate". Dificilmente pode-se dizer que a luta seja algo recomendável a um missionário. Nenhuma luta é boa. Jesus veio, não para trazer a espada, mas a paz. O senhor diz "lutei contra as bestas feras em Éfeso". Que raios quer dizer com essa expressão?
Pesa-me muito dizer isto, irmão Paulo, mas em meus vinte e cinco anos de experiência, nunca encontrei um homem tão oposto às qualificações desejadas pela nossa Junta de Missões. Se o aceitássemos, estaríamos quebrando todas as regras da prática missionária moderna.
Sinceramente,
A. Q. CabeçaduraSecretário da Junta de Missões.
(Autor: Anônimo)

9 de outubro de 2009

A BÍBLIA ENTRE OS ESQUIMÓS

(Entrevista baseada em informações fornecidas por John Sperry à revista A Bíblia no Brasil - A Bíblia no Brasil abr-jun 1993. Foto: Esquimó canadense: os animais e as plantas da Bíblia eram novidade; os milagres não).

Como traduzir o nome de Deus para uma língua na qual não existe a palavra "Deus"? Este é apenas um dos muitos desafios que John Sperry, bispo anglicano e presidente da Sociedade Bíblica do Canadá, vem encontrando em seu ministério de mais de 40 anos entre os esquimós e os índios, na região do Ártico canadense.

Nascido na Inglaterra, o bispo Sperry iniciou a atividade pastoral no Ártico logo depois de sua ordenação ao ministério, acontecida no Canadá. Desde então, ele tem se dedicado a levar a Palavra de Deus aos esquimós, aprendendo a sua língua e conhecendo a sua cultura. Há cerca de 20 anos, ele começou também a traduzir a Bíblia para várias das línguas faladas na região. Hoje, Sperry está trabalhando na tradução das Escrituras para um dialeto da língua esquimó, falado na região central.

Recentemente, ele esteve no Brasil e participou de uma das viagens do barco "Luz na Amazônia lI" no Pará. Sperry afirma que aprendeu muito com essa experiência. "Fiquei impressionado com o ministério de cura tanto de almas como de corpos - que está sendo desenvolvido pela SBB na Amazônia."

Na entrevista que publicamos a seguir, John Sperry fala sobre a história e as curiosidades do seu trabalho de tradução das Escrituras e conta como os povos do Ártico canadense recebem a Palavra de Deus.Pergunta - O senhor poderia contar a história da tradução da Bíblia no Ártico canadense? Resposta - Antes de tudo, é preciso dizer que, nessa região, vivem dois povos diferentes: os índios e os esquimós - ou "inuits", como são chamados na região. A palavra "esquimó" quer dizer "pessoa que come peixe cru" e, para os inuits, tem um sentido pejorativo. Os índios vivem nas terras que vão até os limites dos territórios onde existem árvores. Os esquimós, por sua vez, ocupam as terras inférteis que ficam acima desses limites, em direção ao norte.

P - Como foi iniciado o trabalho de tradução das Escrituras na região?
R - Os primeiros exploradores dessas terras vinham do Quebec; eram canadenses de origem francesa. Depois, vieram também exploradores de origens inglesa e escocesa. Todos eles estavam interessados no comércio das peles dos animais que vivem ali. Mais tarde, chegaram os missionários das igrejas - Anglicana e Católica Romana -, os quais trabalharam muito nessa região. Desde essa época, as Escrituras vêm sendo traduzidas no Ártico canadense.

P - Quais foram as principais dificuldades encontradas no trabalho realizado para os índios?
R - A grande dificuldade foi a alfabetização, já que as tribos indígenas do Canadá não conheciam a escrita. Uma das etapas mais importantes do trabalho de tradução da Bíblia para eles foi a criação de um sistema de notação (conjunto de sinais) de suas línguas. Durante a metade do século XIX, James Evans, um missionário metodista, adaptou o pitnan (uma espécie de sistema estenográfico) com o objetivo de transcrever foneticamente a língua dos índios e permitir que eles aprendessem a ler mais facilmente. Os índios aprenderam o pitnan com uma rapidez extraordinária. A partir daí, o uso desse sistema não demorou a se propagar entre os povos indígenas. Ainda hoje há alguns povos que utilizam o pitnan; eles chamam esse sistema de "a casca de bétula que fala".

P - Em que fase se encontra hoje a tradução das Escrituras para os índios canadenses?
R - Apesar de existirem numerosas tribos na região, todas elas dispõem atualmente de pelo menos uma tradução do Novo Testamento - e, algumas, também do Antigo Testamento. Existem 25 línguas indígenas nessa região. Mas, hoje, muitas delas já não são faladas pelos índios, a não ser pelos mais idosos.

P - Os índios canadenses se identificam com as histórias contadas na Bíblia?
R - Sim, os mais idosos em particular. Eles conhecem as histórias contadas nas Escrituras e falam a respeito deles mesmos utilizando termos cheios de sentido bíblico. É o caso da história da libertação do povo de Deus no Egito. Os índios gostam muito dessa passagem por causa do significado político que ela tem, o qual se aproxima da própria situação deles.

P - O que os índios acham familiar ao modo de vida deles no texto bíblico?
R - Tudo aquilo que se refere à caça. E que eles são caçadores, e isso lhes fala diretamente. No caso da tribo dos "crees", eles gostam particularmente da história do vale dos ossos secos, que representa a vida, escrita no capítulo 37 do Livro do profeta Ezequiel. Os "crees" têm uma afinidade cultural muito próxima com o corpo humano. Nessa tribo, quando duas pessoas têm o mesmo nome, são chamadas de "osso companheiro". Outras histórias, como a Parábola do Filho Pródigo ou da barca de Noé, também os tocam muito. E, é claro, a vida de Jesus.

P - E quanto aos esquimós - qual é a sua população no Ártico, hoje?
R - Em todo o Ártico, há cerca de 22 mil esquimós. Graças ao notável apoio do governo canadense e à conseqüente melhora do nível de vida na região, essa população vem aumentando.

P - Quantos deles são cristãos?
R - Todos, ou quase todos, têm um relacionamento mais ou menos estreito com a igreja. Mas a tendência a respeito desse relacionamento é baixar. Os esquimós são menos ligados aos valores espirituais de seus avós do que os índios canadenses. Mas ainda existem muitos crentes ativos, e as igrejas estão cheias. Digamos simplesmente que, para os jovens esquimós de hoje, o cristianismo não é mais "a religião do povo", como era há 40 anos.

P - Como é a religião tradicional dos esquimós?
R - Os esquimós são animistas; eles crêem no espírito do mundo e não têm nenhuma palavra para designar Deus. É que os caçadores esquimós tiravam dos animais tudo o que lhes era necessário para viver - a comida, a luz, o calor (eles se aquecem com o óleo de foca), as roupas. Então, eles acreditavam que a ordem do mundo era regida pelos animais.

P - Como se resolveu, na tradução da Bíblia, esse problema de não existir um nome para Deus?
R - Essa é uma questão muito interessante. A primeira sugestão para solucionar esse problema foi dada por um missionário no Alaska. Ele perguntou aos esquimós do local onde trabalhava qual era a coisa mais importante para o povoado deles. Os esquimós responderam que era uma embarcação "umyalik", um tipo de barco maior que o "caiaque". Então, esse missionário utilizou a palavra "Embarcação" para designar Deus. O começo da oração do Pai-nosso, por exemplo, ficou assim: "Nosso Proprietário do Grande Barco que estás nos céus...". Mais tarde, outros tradutores protestantes acharam que essa palavra não era apropriada e criaram a palavra "Goody", para Deus. Os tradutores católicos usam a palavra "Munalyokt", que quer dizer "O Criador da Terra".

P - Que outras palavras ou expressões tiveram de ser inventadas para a tradução em esquimó?
R - Os esquimós desconhecem completamente tudo aquilo que diz respeito à agricultura. Do mesmo modo, não conhecem nada do que se relaciona à natureza das terras bíblicas. Então, é preciso achar palavras e expressões para traduzir o que está ligado a esses assuntos. Por exemplo: um jumento é "um grande cachorro de orelhas compridas", e a serpente, "uma corda que vive e se mexe rapidamente".

P - Como a Bíblia é recebida hoje por essas comunidades?
R - No espírito desses cristãos, não existe dúvida alguma de que a Bíblia é a Palavra de Deus revelada aos seres humanos. Eu diria que eles não vêem a Bíblia de uma maneira sofisticada, mas a recebem como Palavra de Deus, porque eles são provenientes de um ambiente de milagres e mágicas. Os chefes espirituais de seus antepassados podiam fazer coisas espantosas; por isso, nada do que está escrito nas Escrituras os surpreende. Mas acredito que, à sua maneira, os esquimós podem provar a existência de Deus. Muitos deles têm a experiência que Deus cumpre as promessas que faz na Bíblia e que, quando as coisas vão mal, existe uma fonte de esperança.

1 de outubro de 2009

MENOS PRÁTICA, MENOS ATITUDES, MENOS HISTÓRIA...

Aquela era uma pequena aldeia africana rodeada por uma floresta pouco densa. As palhoças foram construídas com barro. Uma fogueira ao centro iluminava a noite sem luar. Ao redor do fogo, homens e mulheres, cnrolados em coloridos panos, dançavam freneticamente sob o ritmo forte e acelerado de dois tambores. Estes eram tocados por homens negros, enfeitados com cordas e tendo as faces pintadas com um barro branco.

Estavam celebrando o Khwllcm - funeral. Três homens armados com arcos e flechas corriam ao redor do grupo gritando e mirando suas flechas para todos os lados. A música cantada já é conhecida daquele povo há 1.000 anos. Os sons guturais soam roucos e estranhos. Eles se auto-intitulam bisalyiins. Habitam essa região há séculos.

Repentinamente um homem bem mais alto que os demais se levanta do meio do grupo e vai em silêncio até uma árvore que fica à esquerda. Ali toma quatro galinhas, um porco e três cabritos. Então os mata. Recolhe o sangue em pequenas cabaças. Ele as leva até a aldeia, onde começa a proferir certas palavras enquanto molha um pano com o sangue e o passa nos umbrais das portas de cada palhoça. Continua esse ritual até chegar à última palhoça, onde derrama o restante do sangue colhido. Nesse momento há um profundo silêncio e ele, com o semblante abatido, vira-se e começa a cantar sozinho, bem baixo, uma música que diz: "U Nyun ka cha linampaln bika-polechona" (Os espíritos de morte não virão por mais algumas semanas).

O canto prosseguia quando eu o parei no meio do caminho e lhe perguntei:

- Quem lhes ensinou a usar o sangue dessa forma?

- Quando Uwumbor era Deus, principiou ele a dizer, não precisávamos temer os espíritos. Desde que nossos ancestrais vieram para estas terras, tivemos de aprender a usar o sangue nas portas das palhoças, renovando a cada lua, para evitar os Nyunin. Mesmo assim a morte e a opressão continuam a se abater sobre o nosso povo.

Essa aldeia ouviu o evangelho e ali nasceu uma igreja. Entretanto mais de mil povos sobre a face da Terra permanecem sob um manto de total escuridão. Acham-se a espera de um missionário que nunca vai, uma igreja que nunca envia e um povo que nunca ora.

Nos anos 70, a missiologia possuía uma ênfase eclesiológica localizada e pragmática. Avaliava-se na época a identidade da igreja como comunidade responsável por transmitir o evangelho de Cristo por toda a Terra. Essa ênfase eclesiológica com base na poimênica (aconselhamento pastoral) definia a formação da mentalidade evangélica, levando a uma consciência de quem nós somos e para que fomos chamados. Foi um período de fundamentação missiológica, a época dos conceitos, que preparou também a igreja dos países missionários emergentes para a década seguinte.

Nos anos 80, iniciou-se um processo centrado na análise e avaliação do campo missionário. Notamos entao o que tenho chamado de "Efeito PNA" (Povos Não-Alcançados), fazendo com que o assunto "missões" passasse a ter gráficos e estatísticas; quem são os PNAs, onde estão e como alcançá-los. Movimentos como AD 2000, WEC International (AMEM), World Mission e outros dedicavam-se intensamente à tarefa de definir quem eram, onde estavam e qual a chance de alcançar os grupos aos quais o evangelho ainda não chegou. Nasceu a Janela 10/40, entendeu-se a dimensão do desafio islâmico, foi revelada a necessidade de investimento missionário entre o crescente grupo dos "sem-religião". E também compreendeu-se melhor a permanente resistência dos grupos animistas, além do constante perigo do sincretismo religioso. Era a década da definição da largura, extensão e profundidade do restante não-alcançado da nossa geração e do que ainda precisava ser feito.

Nos anos 90, ficaram evidentes as limitações missionárias, os problemas freqüentes de contextualização e de comunicação transcultural, além do reduzido número de igrejas autóctones entre os grupos recém-alcançados. Diante disso, fomos levados a crer que a formação missiológica era insuficiente perante o sonho de plantio de igrejas no restante intocado do planeta. Toda a ênfase voltou-se para a pessoa do missionário. Nasceu assim a preocupação pastoral do campo ao lado do impulso para uma melhor formação missionária.

No início deste milênio, entretanto, percebemos que na obra missionária brasileira há mais credo do que prática. Há mais pregações do que atitudes. São mais escritos do que história.

Missionário Ronaldo Lidório (Missões, o Desafio Continua, Ed. Betânia).


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UMA PEQUENA HISTÓRIA DE IMPACTO:
Postagem do PÁGINAS MISSIONÁRIAS
no VEREDAS MISSIONÁRIAS.

Interagindo com consciência missionária!

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