A Busca pela Alegria no Noroeste da Amazônia
Por Cácio Silva
1 de Junho, 2011
Entre os meses de agosto e outubro de 2005, mais de 15 jovens indígenas, na maioria entre 16 e 18 anos, cometeram suicídio na pequena cidade de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste da Amazônia. No mesmo período de 2006, novamente mais de 15 jovens seguiram o mesmo caminho, com as mesmas características. Conversei com parentes e amigos de alguns suicidas e algo me chamou a atenção: ninguém falou de desespero ou grandes pressões que aqueles jovens estivessem vivendo antes de cometerem o ato, mas todos me disseram que estavam tristes, por diferentes razões.
Entre os indígenas evangélicos da região, quando alguém está triste, não participa da ceia ou às vezes sequer vai aos cultos. Quando os líderes estão tristes, geralmente pedem a outra pessoa para ministrar a Palavra, pois se sentem indignos. E em toda a região, quando chega a doença no lar, toda a família mergulha em profunda melancolia. Um dia desses, o chefe da aldeia Yuhupdeh onde trabalhamos nos procurou cabisbaixo pedindo ajuda, pois seu velho pai, o pajé da aldeia, estava muito doente. Fomos às pressas até a sua palhoça e encontramos um ambiente de desolação emocional. O velho, em sua rede, estava prostrado e abatido. Mas quando verificamos do que se tratava, não passava de um simples distúrbio intestinal que logo desapareceu.
É o perfil melancólico dos povos indígenas do noroeste amazônico. Os problemas da vida causam-lhes um profundo sentimento de tristeza, e esse sentimento parece ser o elemento mais perturbador dessas culturas, do ponto de vista socioemocional. Os yuhupdeh não têm medo da morte, pois, afinal, todos irão morrer mesmo um dia. E também não possuem conceito de castigo no pós-morte. Mas todos são unânimes em afirmar que têm medo do sofrimento. Assim, o sofrimento e a tristeza estão no cerne das culturas indígenas daqui. Por isso, em contrapartida, essas sociedades buscam ansiosamente por alegria.
Como todos os demais grupos não alcançados da região, os yuhupdeh são grandes consumidores do caxiri. Trata-se de uma bebida regional à base de mandioca. As mulheres arrancam as raízes da mandioca e deixam por cinco dias na água. Levam para a aldeia, descascam e ralam.
Espremem a massa numa espécie de prensa artesanal chamada tipiti e separam-na do caldo, chamado maniquera. Com a massa fazem beiju bem torrado e deixam a maniquera levedar por uns dois dias. Geralmente misturam frutas da mata, especialmente aquelas mais ácidas, para levedar mais rápido. Quando está bem levedado, moem o beiju, misturam com a maniquera e deixam levedar mais ainda, por mais um dia. Por fim está pronto o caxiri.
O cheiro de azedo pode ser sentido de longe. A aparência não é das melhores também. Mas eles ingerem essa bebida do amanhecer até acabar. Às vezes entram a noite bebendo, sem parar. Muitos têm distúrbio intestinal e passam mal. Outros ficam violentos e causam confusão.
Quando ali chegamos, sempre perguntávamos o porquê de tanta bebedeira, e eles respondiam que era apenas para se divertir um pouco. A princípio ignorávamos tal resposta por achá-la simples demais, mas hoje percebemos que ela está próxima da verdade. No fundo, é a busca pela alegria. É uma forma de driblar a tristeza, a melancolia. Prova disso é que costumam ingerir caxiri também quando a alimentação está escassa, quando falta caça e pesca.
A bem da verdade, esses povos buscam por redenção. Uma redenção que lhes liberte da tristeza da vida e proporcione uma alegria que está além dos sofrimentos. Buscam no caxiri porque ainda não conhecem Aquele que é a única e verdadeira alegria.
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