19 de abril de 2019

O Leão, o Leopardo, a Píton e o pequeno Kintano

Durante os anos em que trabalhamos entre as etnias Konkombas no nordeste de Gana, África ocidental, muitas vezes nos surpreendemos com a forma como os novos crentes interpretavam e contextualizavam os ensinos bíblicos a medida que lhes eram apresentados, utilizando histórias, contos e provérbios milenares na cultura Konkomba para elucidar o princípio em questão. Ao fim de uma exposição bíblica sempre há alguém que diga: Temos um conto que explica isto! Visualizando a profundidade de uma língua recheada de provérbios, nos deparamos com inúmeros contos que expressam, culturalmente, a forma como a tribo entende e avalia os princípios bíblicos dentro de sua cosmovisão. Estas próximas linhas trazem um destes contos, que nos foi narrado por dois Konkombas e um Bassari, após termos falado sobre as estratégias do inimigo em confundir o povo de Deus, quando mencionamos o texto de 1 Pedro 5.8 - “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”. Procurei, até onde foi possível, realizar uma tradução acurada, utilizando algumas poucas adaptações nas expressões tipicamente Konkombas com pouca equivalência em Português. Que este conto sirva de edificação para a sua vida advertindo-o contra aquele que veio somente para roubar, matar e destruir.

Ronaldo Lidório, Missionário


O Conto

“Vivia em uma mata junto ao rio Molan um Leão idoso e sábio que, como líder dos animais que habitavam a terra, era grandemente respeitado entre todos. Devido aos longos anos de experiência em liderança, desenvolveu uma personalidade paciente, meticulosa, vagarosa, quase beirando a contemplação. Entretanto, era por demais ouvido entre todos quando se levantava pensativamente de sua moita favorita usualmente dizendo: “Creio que sei o que deve ser feito!”. Até seus rivais que o criticavam pelo seu jeito pacificador de ser, enxergavam nele uma fonte de sensatez. Havia apenas um pequeno e quase imperceptível defeito em sua personalidade o qual, por tão pequeno, não era por ninguém visto como erro, mas sim como uma excentricidade, ou “até uma virtude” - diziam muitos: o Leão odiava sujeira! Lama, restos de comida ou uma simples poeira o deixava irritado e descontente. Não chegava a ser, entretanto, suficiente para nenhuma discórdia ou discussão. No máximo um desabono como um balançar de cabeça ou um ligeiro suspiro de indignação. Descendo o rio, no topo de uma árvore pouco frondosa, morava o Leopardo. Ele era esguio e vivaz. Alegre, contador de piadas e particularmente gostava de narrar engraçadas histórias sobre os habitantes do rio. Sendo o único animal de grande porte naquela parte da floresta era chamado em qualquer emergência e, mesmo sem a ponderação e experiência do leão, promovia soluções fazendo piadas dos problemas e tornando-os menos sérios. Quase nunca usava sua autoridade de mais forte e gostava de andar ao redor toda tarde prometendo aos macacos que eles seriam a sua refeição do dia seguinte se nada melhor aparecesse, o que gerava uma algazarra nas árvores enquanto ele dava boas risadas. Apesar de amigo e companheiro havia algo que o impedia de ter mais proximidade com outros animais. Ele ficava enraivecido sempre que alguém o fitava. Poderia conversar longamente com todos, desde que ninguém olhasse diretamente em seus olhos, pois ficaria por demais irado e, com um rugido, saía mal-humorado. Mas todos, conhecendo esta particularidade, sabiam como tratá-lo e até brincavam entre si dizendo que ele ficara assim desde que vira sua própria face no espelho de água do rio Molan, e admirou-se de como era feio. Era apenas uma versão entre os macacos que se divertiam com esta história durante as noites. Ninguém, nem mesmo ele, na verdade, sabia o porquê desta irritação ao ser fitado. Conhecendo de antemão o seu temperamento, todos sabiam como tratá-lo e tudo corria bem naquela parte da mata.

Mais distante próximo ao pântano da árvore alta vivia Píton, a cobra. Dentre tantas outras cobras que habitavam aquela área, Píton era a maior, mais forte e mais inteligente dentre elas. Apesar de temida entre todos os animais, Píton não era de tão difícil relacionamento como imaginavam. Era séria, compenetrada e muito desconfiada, sem dúvida. Mas também sempre se mostrava bem disposta a ajudar em momentos de crise. “Quando houve a última enchente” - reconhecem todos – “Píton foi a primeira a voluntariar-se para ajudar os animais que não conseguiam nadar”. “Mas também fala disto até hoje!”- completam os mais críticos. Apesar de não ter a sensatez do Leão e a descontração do Leopardo, Píton era reconhecida como líder. “Um líder não deve ser temido, ranzinza e desconfiado” - lembravam os macacos, mostrando que lhe retirariam o cargo se pudessem. Era sabido que Píton, a cobra, possuía um grande complexo de inferioridade pelo fato de se postar sempre mais baixa que os outros animais, por ter que rastejar. Muitos, assim, ignoravam a sua presença. Certa vez um elefante quase a pisou por não vê-la, o que causou grande indignação. Desde então ela detesta ser tocada e sempre lembra a todos o seu lema: “Nunca pise em mim!”. Certo dia surgiu um assunto de urgência que envolvia toda a floresta. Algumas hienas, temidas por todos os animais de bem, decidiram mudar-se para aquela região. Todos estavam preocupados e criavam muitos boatos e rumores sobre isto. O Leão, prevendo um estado de pânico, decidiu convocar uma reunião entre a liderança da floresta: ele, o Leopardo e a Píton iriam se reunir junto à sua moita no dia seguinte. No dia esperado, logo cedo, chegou o Leopardo e como de costume fazia piadas do Leão chamando-o de “Jubinha” referindo-se a um fato constrangedor e nunca mencionado pelos outros animais: o Leão nascera com menos pêlo em sua juba que outros da sua espécie. Fingindo ignorar as piadinhas o Leão chamou-o para baixo da árvore e ofereceu-lhe água do riacho que por ali passava. Logo em seguida, sutil e esguia, chegou Píton causando surpresa no Leão. “Não pensei que viria tão cedo” - comentou ele referindo-se aos constantes atrasos de Píton nas últimas reuniões de liderança. Como sempre Píton permanecia calada e procurou calmamente o lugar mais úmido para se enrolar. Durante o dia o Leão, o Leopardo e Píton conversaram sobre todas as implicações da vinda das hienas para a floresta e, após ouvir longamente as inúmeras sugestões dos outros animais, estavam prestes a tomar uma decisão quando foram interrompidos pela comida que chegava. “Pensei que era plano do Leão trazer-nos aqui para matar-nos de fome” - comentou o Leopardo entre risos. Comeram regaladamente e após tudo ser devidamente limpo decidiram descansar por um curto período antes de retomarem as discussões.

Neste momento, enquanto Leão, Leopardo e Píton dormiam, surgiu sorrateiramente um pequeno inseto típico daquela parte da floresta chamado Kintano. É uma espécie de grilo com apenas dois centímetros de tamanho e que costuma fazer um buraquinho na areia onde esconde-se nos momentos mais quentes do dia. Sem ser por ninguém percebido, Kintano pulou até o lugar onde o Leão deitava sobre sua limpa e macia moita e começou a cavar o seu buraquinho com suas patinhas traseiras, lançando a areia para trás à medida que desaparecia dentro do seu abrigo. Entretanto, com a força de suas patinhas, Kintano conseguiu arremessar aquela fina areia até o focinho do Leão o qual, cheirando a poeira, levantou-se de um salto julgando ser uma brincadeira do Leopardo. Fitou-o bem nos olhos e num rugido gritou: “Por que me sujou? Você sabe como detesto sujeira!”. O Leopardo rosnou indignado: “Não sei do que está falando, mas você sabe que odeio quando alguém me fita!”. Os dois começaram uma estrondosa luta quando, não percebendo a Píton, o Leopardo a pisou com sua pata traseira fazendo-a acordar irada e gritando: “Não admito ser pisada por ninguém!”. O Leopardo, mais jovem e forte, matou o Leão em uma tremenda batalha! A Píton, sagaz, enlaçou o Leopardo e o apertou até que morresse; entretanto, com tamanho esforço, não resistiu e também morreu. Houve silêncio em toda a floresta. Como líderes tão bondosos, gentis e responsáveis chegaram ao ponto de se matar? - Perguntavam todos. Os animais da floresta, atônitos, baixaram suas cabeças e dispersaram-se. E o Kintano... O Kintano, após tudo acabar, saiu do buraquinho na areia, olhou ao seu redor e começou a pular em direção a outro vale, a procura de outros líderes em outras florestas. “U Mallenyaan nyen Kintan so. U nyen kenin, sedimaten, tob anun ni kagbaan pu na”. “O Diabo é como o Kintano. Ele veio apenas roubar, matar e destruir” - dizem os Konkombas”.

http://www.ronaldo.lidorio.com.br

3 de abril de 2019

Missões, coisa de adorador

Sempre gostei muito do assunto. Falar e ouvir a respeito daquilo que Deus têm feito, em Cristo, em todo planeta, da expansão do Seu Reino, de culturas sendo redimidas e celebrando o Seu nome santo. Como estas coisas me abençoam.

Quem nunca se emocionou numa conferência missionária? Quem nunca ficou boquiaberto com as fascinantes histórias de corajosos missionários desbravando selvas e outros “fins de mundo” por aí. Acredito que todos nós. Eu também sou fruto desta geração. Mas refletindo um pouco mais sobre a obra missionária, a tarefa a nós comissionada pela Trindade, percebi que muitas vezes nossa cosmovisão e/ou nossas motivações são carentes da perspectiva bíblica realmente sadia.

Como assim? Explico. O que é afinal a Obra Missionária? Como e para quê devemos “ir e fazer discípulos de todas as nações” ?

Entendo que missões é uma disposição em obedecer ao nosso mandato cultural que se encontra no texto de Gênesis 1:28-29. Deus criou todas as coisas (pelo santo e sábio conselho da sua vontade) e nos colocou como mordomos de tudo isso. E se Ele nos fez para o louvor da Sua glória, toda nossa existência tem como fundamento a glorificação d’Ele. Isso equivale dizer que onde vamos, onde estamos, o que fazemos, enfim, toda nossa vida se completa e tem sentido a partir do momento em que celebramos sua Glória e a anunciamos.

Isso também aponta para alguns fatos interessantes:

1) Não fazemos missões para minimizar a proliferação do pecado e da morte. Não fazemos missões por causa do pecado alheio;

2) Não fazemos missões apenas por que Cristo nos comissionou. Missões é além da obediência, sinônimo de identidade. Fomos criados para tal;

3) Não fazemos missões por desencargo de consciência ou por falta de opção.

Missões é uma expressão da nossa fé, do nosso amor a Deus e da nossa adoração. Se não O anunciamos, morremos. Fazemos missões, portanto, porque amamos a Deus acima de todas as coisas. E todas mesmo!

Muitas vezes vemos nas nossas melhores igrejas, apresentações missionárias muito mais centralizadas no sofrimento, no pecado e nas tragédias humanas. Que pena. Não é isso. Missões é coisa para adorador. Claro que não devemos viver alienados, mas não podemos manipular a emoção das pessoas. Como tudo que é vivo, a Igreja também vive um processo de amadurecimento. Temos a possibilidde de aprendermos com nossas experiências. Acredito que muita coisa já mudou. Graças a Deus.

Nosso povo é simples, multicolorido, se adapta a várias situações, é inteligente. Somos um grande celeiro de missionários. Tenha certeza que ninguém conseguirá tomar o seu lugar. Se você ama a Deus, seu lugar é neste exército. E vale a pena, n’ Ele nosso trabalho abençoa todas as famílias da terra.

Minha oração é para que como igreja brasileira possamos assumir de forma plena nosso papel na “Vinda do Reino” à terra. Pois será maravilhosa a visão daquele trono majestoso…


Daniela Xavier Formada em Gastronomia e casada com Saulo Xavier, servem atualmente na Missão Kairos, com projetos de Tradução e Mobilização. Fonte: www.jocum.org.br