O missionário deve considerar o valor da pesquisa do lugar onde passará um dia. Deve saber da inexistência de dois lugares exatamente iguais, daí haver diferenças diversas e até profundas. Exemplificando, para alguém que já pensou em residir no Chile e ter que viajar pelo Deserto do Atacama, o conhecimento é tudo. Vale muito o interesse pelas pesquisas. Neste texto, uma ajuda inicial.
O Deserto do Atacama, no Chile, é um desses lugares difíceis de descrever com vagos adjetivos. Poderia optar entre um “belíssimo”, “maravilhoso”, “estupendo” ou apenas um “diferente, muito diferente”. O Atacama é tudo isso e outras qualidades mais, embora tecnicamente não passe de uma imensidão árida, que nada produz além de frio, calor e pó. Mesmo assim é fantástico.
Para entender a força dessa aparente contradição é preciso levar em conta que, ao contrário do que se supõe da idéia de deserto, o Atacama nada tem de monótono. A paisagem é incrivelmente variada. Dunas, lagoas, vulcões, salares, gêiseres... compõem cenários surreais numa geografia de recortes estranhos.
A sensação é a de pisar em outro planeta. Numa planície reta como mesa de bilhar elevam-se, solitários, monumentos de pedra de dezenas ou centenas de metros de altura. Piscinas de água fervente expelem colunas de vapor no ar gélido da manhã. Fontes de águas termais brotam do interior de um cânion. Vulcões ativos no horizonte soltam fumarolas e desafiam os trekkers mais corajosos. O Atacama fascina tanto que é raro encontrar alguém que volte de lá indiferente.
O deserto chileno fica ao norte do país, a cerca de 1.600 km de Santiago, na fronteira com a Bolívia. Estende-se por uma área equivalente ao Estado do Paraná, numa espécie de prolongamento entre duas cordilheiras, a dos Andes e a do Sal. É tido como o deserto mais seco do mundo, mais até do que o Saara, na África, este o maior em tamanho. Em alguns lugares não cai uma gota de chuva há décadas. Há pouca vida, poucas plantas, poucos insetos. Mas, aqui e ali, surgem oásis ao longo de pequenos rios formados pelo degelo de neve das montanhas. É essa água que garante a permanência de moradores de 17 povoados instalados em plena secura, vivendo da agricultura de subsistência e da criação de cabras e lhamas.
Cultura
O desembarque é feito no Aeroporto de Calama, a 105 km da vila de San Pedro de Atacama, a porta de entrada para conhecer as curiosas paisagens da região. Só o caminho até lá, passando pelo Vale da Morte e por cenários que parecem saídos de filme de ficção científica, já é uma atração à parte. A vontade é a de parar a van diversas vezes antes mesmo de chegar. O veículo, porém, não passa dos 70 km/h porque o ar rarefeito da altitude andina não deixa.
Portanto, é devagar que chego a San Pedro de Atacama. O vilarejo é minúsculo, conta com pouco mais de 5 mil almas. Surgiu na década de 1960, quando servia de ponto de parada das comitivas de gado que vinham da Argentina para o norte do Chile. Daquele tempo, sobraram as ruas de terra e as casas baixas e rústicas, com paredes de barro.
Os telhados não passam de uma cobertura de palha, apenas para proteger do sol, já que quase nunca chove. A imagem mais próxima seria a de uma vila de faroeste americano, só que com hippies no lugar de caubóis. Quem vai ao Atacama fica por lá. E adora. Justamente por não ser uma cidade como outra qualquer. Os turistas dominam o local, embora os cachorros que vagabundeiam pelas ruas sejam quase em mesmo número. Tanto que a cidade ganhou até o apelido de San “Perro” (cachorro, em espanhol).
Apesar da aparente rusticidade, San Pedro oferece uma boa estrutura para receber visitantes do mundo inteiro, desde mochileiros que pagam US$ 10 na diária de um quarto coletivo nos albergues àqueles que se hospedam nos hotéis mais sofisticados, como o famoso Explora e o novíssimo Tierra Atacama. Os bons hotéis já são quase uma dúzia espalhados ao redor da cidade. Todos carregam o conceito de eco-lodges, pequenos, estilosos e confortáveis, porém sem ostentação. Não há resorts ou construções verticais porque a lei local proíbe, para não descaracterizar o lugar.
Gastronomia
A cozinha chilena é muito rica e variada, além de ser uma das cozinhas mais saborosas do Cone Sul. Sua gastronomia baseia-se, principalmente, na tradição culinária espanhola.
Os chilenos temperam a carne com muitos ingredientes. Existem carnes muito variadas que podem ser consumidas cozidas, como o ajiaco com cebola, ají, batatas, pão e suco de limão e laranja ou a cazuela, de origem espanhola, consistente em um cozido de pedaços grandes de carne, seja vaca, frango ou porco, com batatas, abóvora e choclo (milho tenro), acompanhado de arroz.
A carbonada é uma carne frita cozida com diversas verduras, entanto que o charquicán, prato autenticamente chileno (provavelmente de origem mapuche), é uma mistura de carne ou charqui, preparada com uma variedade de verduras e servida com cebolas em escabeche. A região oferece diversas opções de pratos típicos, como a empanada e peixes ou frutos do mar preparados das mais diversas maneiras.
A rua principal, a Calle Caracoles, é repleta de restaurantes, lojas de artesanato, casas de câmbio e agências de turismo. À noitinha, depois de um dia de passeio e de um banho quente, todo mundo – com exceção de quem paga as diárias nos all inclusive – vai para lá escolher um lugar para jantar.
Os restaurantes Adobe e El Milagro em San Pedro de Atacama também são ótimas pedidas!
Roteiros
Seja hospedado num albergue ou num hotel de luxo, a rotina no Atacama é a mesma para todos: levantar cedo e sair rumo aos passeios. A oferta de roteiros é bastante variada e para todo perfil de turista, tanto para quem não curte longas caminhadas e prefere que a van estacione bem ao lado do melhor ponto para fotografia, como também para os aventureiros que preferem interagir mais intimamente com a natureza e sentir o vento no rosto, andando em trilhas ou em passeios de bicicleta.
São mais de 370 rotas diferentes que se pode fazer, ou seja, daria para passar um ano inteiro no Atacama fazendo passeios todos os dias sem repetir um único sequer. E mesmo assim, não daria para ver tudo.
Ninguém deixa de ir ao Vale da Lua, que fica bem perto da cidade, um lugar com formações rochosas pra lá de curiosas. Depois de pisar ali não é difícil tentar imaginar como seria a superfície de Marte. Tanto que a própria Nasa utilizou-se do lugar para testar os robôs que enviaria em pesquisas ao planeta vermelho.
O passeio ao Vale da Lua inclui quatro pontos de parada. No primeiro deles, o guia pede silêncio para que se possa ouvir estalos fantasmagóricos, espécie de “crec-crec”, provenientes do interior das paredes rochosas de sal. O fenômeno é provocado pela dilatação das rochas (com sal e gesso na sua composição) ao longo do dia. Na segunda parada pode-se subir ao topo de uma grande duna e fazer, lá de cima, algumas das melhores fotos da viagem. E o passeio segue até uma curiosa formação de pedras chamada Três Marias e termina no alto de um mirante ao pôr-do-sol.
Outro passeio bastante procurado leva à Laguna Cejar. Chega a ser difícil de acreditar que exista lagoa no deserto. Mas o Atacama todo parece uma mentira. A curiosidade da Laguna Cejar é a água, de cor verde-esmeralda, que não deixa o corpo afundar. Você pode tentar, mas terá de se esforçar para conseguir mergulhar. Isso por causa da quantidade absurda de sal na água, que a torna mais densa, a exemplo do que ocorre no Mar Morto. É como deitar num colchão d’água. Você pode até levar uma revista para ler tranqüilamente enquanto o corpo bóia, sem precisar mover um músculo. Até as bordas da lagoa são de cristais de sal – bem afiados, aliás. Só se deve entrar de chinelo para não se cortar. E para tirar o sal do corpo, as vans levam chuveirinhos e garrafões de água mineral.
Para conhecer o cartão-postal do Deserto do Atacama embarquei num passeio de um dia inteiro que leva às Lagunas Altiplânicas. São duas lagoas de águas azuis, Miscanti e Miñiques, cercadas por vulcões, localizadas numa planície a 4 mil metros acima do nível do mar. San Pedro está a 2.400 metros, o que não costuma ser problema. Mas à medida em que a van sobe o Altiplano Andino em direção às lagoas, o ar torna-se cada vez mais rarefeito. Algumas pessoas podem sofrer com o soroche, o mal da altitude, cujos sintomas se manifestam em forma de dor de cabeça, enjôo, tontura ou tudo isso junto. Beber chá de coca no café da manhã do hotel pode ajudar a prevenir o problema. Como precaução, algumas agências levam balões de oxigênio para quem sentir os primeiros sintomas.
A paisagem, porém, compensa qualquer sacrifício. E a chegada é em grande estilo, pelo alto do morro, vendo as duas lagoas de cima. Ali, você faz uma foto clássica do Atacama: o vulcão ao fundo, a água azul do lago, o brilho branco ao redor das margens (é reflexo do sal acumulado na água) e os arbustinhos dourados – que eles chamam de paia brava – em primeiro plano.
A estrada que leva ao altiplano passa também pelovilarejo de Toconao e contorna o Salar de Atacama, um dos maiores do planeta. Trata-se de uma imensidão branca e retilínea – com 100 km de comprimento por 80 km de largura –, onde o chão é puro sal petrificado. O Atacama foi fundo de mar há milhões de anos, o que explica os salares e os fósseis de animais marinhos encontrados na região.
Paramos, então, ao lado da Lagoa Chaxa, dentro do Salar de Atacama, para ver dezenas de flamingos, que passam o dia com o bico enfiado na água se alimentando de microcrustáceos. Nas madrugadas mais geladas de inverno, os flamingos, que dormem com um só pé na água, ficam presos no gelo que se forma em volta deles e precisam esperar pelo sol da manhã para se libertar.
A pressão interna dos gêiseres provoca violentos borrifos de água fervente que, em contato com o ar gelado da manhã, formam colunas de vapor iluminadas pelos primeiros raios de sol da manhã. Ao redor dos gêiseres maiores foram construídos murinhos de proteção com a finalidade de evitar acidentes com os turistas. Segundo os guias, muitas pessoas já morreram ali, caindo distraidamente dentro dos gêiseres.
Os sintomas desagradáveis da altitude também podem atacar nesse passeio. Por isso, dá-lhe chá de coca. Os hóspedes dos hotéis têm o privilégio de tomar o café da manhã ali mesmo, em mesas montadas ao ar livre.
Num resumo simples: o Salar de Tara, a 4 mil metros de altitude, é um conjunto de paredões rochosos que formam um corredor. É possível caminhar por ele até desembocar em um lago cheio de flamingos. No caminho até lá, além de grupos de vicunhas à beira da estrada, você passa pelos chamados Los Monges ou Moais de Tara, pedras imensas de quase 30 metros de altura que surgem, solitárias, no meio do nada, quebrando a monotonia da vastidão reta da planície altiplânica.
Entre os passeios menos concorridos também estão as caminhadas ao topo dos vulcões da região. Existem cerca de 30 deles no Atacama, vários ainda ativos e sujeitos a erupções, numa região conhecida como “el cinturón de fuego de los Andes”. O mais temido é o Láscar, cuja cratera expele constantes fumarolas. São 2h30 de caminhada até o cume e exigência de máscara de proteção contra o gás sulfúrico tóxico.
O Licancabur, por sua vez, é o mais famoso e soberano na paisagem, postado como um gigante – está a 5.976 metros – que guarda os mistérios e belezas do deserto. O formato cônico, com o pico nevado, parece saído do desenho de uma criança talentosa. Se hoje impressiona, imagine o poder que deveria exercer sobre a mente dos primitivos homens do Atacama. Em expedições arqueológicas foram encontrados vestígios habitacionais nas encostas do vulcão a quase 5.200 metros de altitude.
Quando Ir
Faz sol o ano inteiro no Deserto do Atacama. Portanto, não se preocupe: o tempo vai estar sempre bom. Dias nublados e uma ou outra garoa tímida podem ocorrer só em janeiro ou fevereiro. Já no inverno, entre junho e julho, a temperatura cai bastante, podendo chegar até -10º C nas noites mais frias. Nessa época, as montanhas e os campos ficam cobertos de neve. O ideal mesmo é ir entre abril e junho, e de setembro a novembro, quando o céu está ainda mais estrelado e os preços são de baixa temporada.
Onde Fica
O Deserto do Atacama fica no norte do Chile, perto da fronteira com a Bolívia e o Peru, a 1.600 km de Santiago. Ocupa uma área de 700 km de comprimento por 400 km de largura. A maior cidade da região é Antofagasta, mas o desembarque é feito em Calama, a 80 km de San Pedro de Atacama.
Por: Viaje Mais
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