30 de maio de 2011

MINHA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA TRADUZINDO A PALAVRA DE DEUS

"Wãiwí, eu procurei, procurei aquela história da mulher que você contou lá na igreja, mas eu não achei na minha Bíblia. Aquela história é muito bonita. Aquela mulher gostava mesmo da sogra dela. Aquela história tem muitos ensinos para a sogra, para a nora, para os jovens. Eu quero traduzir para a minha língua a história da Rute."

Estas foram as palavras de Atu Kayabi, co-tradutor do Novo Testamento em sua língua materna e cacique do povo Kayabi na Aldeia Kururuzinho, rio Teles Pires, Pará.

Tenho trabalhado na área de educação bilíngue, e, apesar de nunca ter descartado a possibilidade de traduzir o Velho Testamento em Kayabi, o desejo de Deus no coração de Atu me surpreendeu e confesso que fiquei temerosa. Depois de algumas orientações da Iinguista Rose Dobson, que traduziu o Novo Testamento Kayabi e conversando com uma colega da ALEM que está traduzindo o Novo Testamento, orei a Deus pedindo a sabedoria e capacitação para tão grande e sublime tarefa. Recentemente fiz uma série de estudos bíblicos no livro de Rute. Li, reli e meditei neste livro em pelo menos três versões, alem de fazer várias consultas em outros materiais de apoio.

Enfim chegou o dia 22 de novembro de 2008. Atu percebeu que eu estava um pouco nervosa e ele me tranquilizava dizendo: "É assim mesmo. Quando eu comecei a trabalhar com a dona Rosa, às vezes eu ficava atrapalhado, mas eu fui aprendendo e ela também. Você também vai aprender".

Naquele dia pude constatar o que meus colegas sempre compartilham e experimentam quando nos propomos a traduzir a Palavra de Deus. Empecilhos não faltaram naquela manhã, os quais me fizeram parar por várias vezes. A vigilância sanitária resolveu aparecer para fazer uma visita de rotina no controle à dengue; o Correio veio entregar uma encomenda que nem era para nós; o telefone tocou por três vezes, duas delas procuravam pelo Atu; por fim, minha vizinha me chamou insistentemente para me ofertar duas jacas. Todas as vezes que eu tive que parar, Atu dava muita risada e tranquilamente me dizia: "É assim mesmo Wãwi...".

Não desistimos. Conseguimos naquela manhã chegar até o versículo 10 do primeiro capítulo de Rute. Para uma iniciante creio que é um ótimo resultado. Louvado seja Deus, pois a sua boa mão estava conosco.

Vamos continuar a Tradução e precisamos de suas orações. Como Neemias, reconhecemos que somente pela intervenção de Deus é que faremos esta tão grande e extensa obra (Neemias 6.16b).

Raquel Alcântara da Silva, Missionária da ALÉM (Associação Linguística Evangélica Missionária)

Fonte: www.missaoalem.org.br (Boletim de junho de 2009)

13 de maio de 2011

Missão AMME

AMME é a missão que ajuda as igreja evangélicas brasileiras a cumprir sua missão bíblica de evangelizar todo mundo: motivando, treinando, suprindo e apoiando.

Fundada nos primeiros dias do ano 2000 pelo missionário José Bernardo, AMME é uma missão evangélica, brasileira, independente e não denominacional. A missão tem estatutos de associação civil religiosa e está registrada no CNPJ sob número 04.035.720/0001-43 com a razão social Associação de Missionários Mantenedores da Evangelização – AMME. Para fins de comunicação, a missão utiliza juntas as marcas AMME Evangelizar, ambas marcas registradas da AMME.

Visão: No dia 11 de agosto de 1997, depois de um período de entristecimento por causa da situação da Igreja Brasileira, durante um período de oração, o pastor José Bernardo foi tomado de forte comoção. Ele sentia como se o Senhor estivesse lhe perguntando se ficaria apenas reclamando da situação da Igreja ou se estaria disposto a fazer alguma coisa. Humilhado na presença de Deus, ele sentia que nada podia fazer, então se sentiu disposto a estudar a segunda carta de Paulo a Timóteo em busca de respostas.

Enquanto lia aquela carta, testamento do apóstolo Paulo que morreria em alguns dias depois de dedicar cerca de trinta anos de vida à pregação do Evangelho, o fundador da AMME foi confrontado com o fato de que Paulo se deparava com cenário semelhante: líderes corrompidos, crentes enfraquecidos e contaminados e uma igreja vacilante diante de um mundo dominado pelo pecado. O que chamou a atenção naquele momento foi o fato de que Paulo não estava desanimado ou entristecido. Ele considerava que sua carreira havia terminado, mas exortava a Timóteo que continuasse evangelizando, pois, somente assim o ministério dele seria completo.

Esta era a resposta! Paulo não considerava que devia evangelizar somente quando tudo estivesse bem. Ele via a evangelização como solução! Desde aquele momento, e no dia seguinte, José Bernardo escreveu um projeto de ampliação da evangelização e o chamou de “Todo Mundo”. Nos primeiros dias do ano 2000, depois de um período de crescimento e aprendizado, começaram as ações que culminaram no registro oficial da AMME no dia 10 de agosto daquele ano, três anos após receber a visão que até hoje orienta as ações da AMME: Se há algo que podemos fazer pela Igreja Brasileira é ajudá-la a cumprir sua tarefa de evangelizar.

Resultados: O primeiro ano da AMME foi uma prova de perseverança. O casal, Vasti e José Bernardo, dispôs de todas as suas economias, viajando e enviando correspondências para centenas de pastores em todo o país, oferecendo ajuda para a evangelização. Naquele ano, apesar dos esforços, somente uma única igreja aceitou a ajuda: uma congregação das Assembleias de Deus com apenas quarenta membros, na região de Cordovil no Rio da Janeiro – RJ. Uma igreja que nunca tinha evangelizado recebeu toda a ajuda que a AMME pôde reunir e, em uma semana, evangelizou cerca de 6.000 pessoas. Isso transformou a igreja. Porém, para o missionário José Bernardo e os primeiros missionários que já estavam com ele, aquilo não era suficiente. Como alcançar todo o Brasil se somente uma igreja fosse ajudada a cada ano?

No segundo ano, o Senhor abriu as portas: recursos, estratégias, parcerias e gente interessada em evangelizar possibilitaram o envolvimento de mais de quatrocentas igrejas em oito Estados e a distribuição de treinamento e material suficiente para evangelizar cerca de 5.000.000 de pessoas. No terceiro ano, repetiu-se o resultado; agora, com mais igrejas em mais Estados, a AMME também lançou novos projetos e se estabeleceu no cenário missionário do país. No quarto ano, foram distribuídos material e treinamento suficientes para evangelizar 9,6 milhões de pessoas; no quinto ano, a AMME chegou a 15 milhões de pessoas e desde então tem mantido uma média de 10 a 12 milhões de pessoas evangelizadas a cada ano.

Na campanha BRASIL2010, no ano em que completou 10 anos de fundação, a AMME Evangelizar avançou de modo extraordinário, envolvendo 7.571 igrejas, treinando 18.561 líderes e fornecendo 18.961.000 literaturas, para evangelizar 10% da população brasileira em apenas um ano. Junto com estes números grandiosos, chegam diariamente à Casa da Palavra, sede da AMME, testemunhos do despertamento de igrejas, abertura de outras e muitas, muitas vidas transformadas para a glória de Deus em Cristo que nos chamou para essa boa obra.

http://www.evangelizabrasil.com/about/

2 de maio de 2011

RESTAURANDO O ARDOR MISSIONÁRIO

Ronaldo Lidório

Queridos, é um prazer estar com vocês hoje nesta tentativa de, juntos, aprender e compreender um pouco mais da visão e do sonho de Deus para nós e também para sua igreja. Vamos abrir nossas Bíblias em Apocalipse 3:15 a 17 e falar sobre a igreja e sua missão, partindo do pressuposto de que nem toda visão do homem de Deus é, necessariamente, a visão de Deus. E se isso é verdade, nem toda visão da igreja de Deus é necessariamente a visão de Deus.

Se vocês concordam comigo, o homem não tem a visão completa da sua missão, nem a igreja o tem, nós precisamos buscar na fonte, que é o próprio Deus, e devemos entender não apenas as expectativas dEle, mas devemos entender os critérios que Deus colocou para que sua igreja pudesse ser sal da terra e luz do mundo.

Parte destes critérios nós podemos encontrar em Apocalipse 3:15 a 17. Esta carta de Jesus à igreja de Laodicéia, sabemos que faz parte de um conjunto de sete cartas, escritas por Jesus à sua igreja e, apesar de termos esta visão escatológica de Apocalipse, eu gostaria de lhes propor de olharmos para ele como um livro, não apenas escatológico e que tem a ver sobre sinais do fim, mas como um livro também existencial, que tem a ver sobre princípios de vida para minha existência, para sua história pessoal e para a vida da igreja hoje no século XXI.

Quando olhamos para essas cartas, devemos nos perguntar quais foram os motivos que levaram Jesus a inspirar João a escrevê-las. Eu creio que um dos motivos foi revelar quais são os critérios pelos quais o Senhor Jesus julga a sua igreja, que somos nós.

Nós julgamos a igreja de Jesus através de critérios externos, visíveis, aquilo que podemos colocar num bom relatório e mostrar para alguém, uma igreja, um presbitério, algum líder, algo que foi feito. Eu julgo uma igreja a partir do seu templo, da retórica do seu pastor, da eficiência do coral, de sua condição financeira. Nós temos olhos humanos, julgamos uma igreja, pessoa, pastor, missionário, ministério, a partir também de critérios humanos e visíveis. Mas parece-me que, nestas sete cartas, Jesus propõe um novo critério: o critério do coração, do invisível, daquilo que não pode ser manifesto em uma pregação, em um livro, na igreja, mas algo que, pelo sondar do Espírito Santo de Deus, Ele olha em nosso coração e sabe se há ali caráter, não apenas reputação, se há fidelidade e não apenas imagem, se há conteúdo de vida cristã na presença de Deus e não apenas teologia.

São os critérios da alma, eu diria assim. Este é um dos motivos pelos quais Jesus escreve esta carta à igreja de Laodicéia; talvez um dos outros motivos seja norteador, ou seja, Jesus queria nos mostrar qual é o rumo da igreja, sua prioridade, qual é a sua visão e, se concordamos que nem toda visão do homem de Deus é necessariamente a visão de Deus, precisamos da visão dEle para existir. Charles Quermam, é um dos filósofos modernos dos quais eu gosto (é mais ou menos da linha de Francis Scheifer), e ele nos diz assim: “nada do que nós tocamos é eterno”, e nisso ele nos propõe que, em uma releitura bíblica, devemos tentar perceber quais são as propostas de Jesus para avaliação da sua igreja. A avaliação do coração, como está nossa vida, e uma avaliação do rumo, para onde estamos caminhando.

É interessante que, se olharmos o versículo 15 de Apocalipse 3, vamos ver que ele começa dizendo assim: “Primeiramente eu conheço as tuas obras” e aí uma proposta bíblica textual apontando para a vida funcional da igreja, fala sobre obra, realizações.

É basicamente uma afirmação de desejo; os exegetas do século XIX, início do XX, tentavam observar a expressão: quem deras fosses frio ou quente, na verdade vocês são mornos, como uma escala de espiritualidade quem estivesse frio, estava longe de Deus, quem estivesse quente estava perto de Deus, e quem estivesse morno estaria entre as duas coisas. Esta pode ser uma verdade bíblica, mas não neste texto. Ele não trata a respeito de categorias espirituais, de intimidade com Deus, este texto fala a respeito de funcionalidade. Nós devemos olhar à luz da história. Laodicéia era uma cidade sem grande importância comercial e política na época e ficava entre duas cidades, importantes e influentes, ao norte ficava a cidade de Erápoles e Grápoles era uma cidade conhecida pelas suas fontes de água frias, segundo Tácidos, um historiador do século IV, ele diz que no meio da cidade de Grápoles havia um grande lago natural com águas geladas, e as pessoas mais ricas da época compravam ou construíam casas de veraneio que ficava ao redor daquele lago, e aquelas pessoas passavam ali verões, mais ou menos como é para o Nordeste durante um verão quente, e você fica num hotel, numa casa de verão e vai para o mar, aquela água gostosa. Segundo Tácidos, havia na entrada de Erápoles uma placa dizendo mais ou menos o seguinte: “Grápoles, um lugar de refrigério”; essa era a primeira influência geopolítica sobre Laodicéia.

A segunda ficava ao sul, uma outra cidade chamada Colossus, era conhecida pelas suas fontes de águas quentes, uma Caldas Novas aqui no Brasil. Era um local onde as pessoas tinham fontes naturais de águas quentes e se banhavam nessas fontes, crendo que essas águas quentes possuíam um poder curador. E pessoas com problemas de pele, de ossos, reumáticos, faziam daquelas fontes de águas quentes uma verdadeira terapia e ali permaneceram. Se olharmos esta expressão de Jesus, que vocês devem ser quentes ou frios e não mornos, na cabeça dos crentes em Laodicéia, as figuras de Erápoles e Colossus eram muito claras e patentes. Se olharmos para este texto numa visão histórica, a paráfrase que faríamos desse versículo seria assim: ‘Quem não és frio ou quente, ou seja, quem não possui a função de refrigério às vidas que os procuram como as águas frias de Erápoles, como também perdeste a função terapêutica de alívio aos aflitos à semelhança das águas quentes de Colossus, como sois mornos e águas mornas não possuem função alguma, estou a ponto de vomitar-te da minha boca’. Então esse texto não fala sobre uma escala de espiritualidade, mas sobre a funcionalidade da igreja e Jesus olha para Laodicéia e diz: vocês são disfuncionais, perderam a sua função e missão. É um texto missiológico, não devocional. Eu gostaria de, à luz desse texto, propor algumas verdades, quero crer serem verdades relevantes para sua vida, para minha vida e da igreja do Senhor Jesus.

Uma dessas verdades é que, no Reino de Deus, o caráter sempre precede a missão e tem a ver com esse poder de avaliação, porque qualquer um diria que todo o movimento missionário no mundo jamais começa a partir de um grande congresso, uma mobilização de massa, de um grande livro escrito ou um grande sermão pregado em uma igreja. A obra missionária mundial e os grandes movimentos de impacto e transformação social no mundo ocorrem a partir de um indivíduo, de um homem, uma mulher que, olhando para Deus, têm sua vida impactada por um desejo de ser fiel a Ele, de ser íntegro, justo e íntimo com Deus e, a partir de uma vida fiel, podemos ver que grandes movimentos começam a surgir, ou seja, missões e estação missionária, ministérios pastorais ou missionários nacionais ou transculturais, não podem ser definidos em termos de resultados, mas sim em fidelidade ao Senhor. O caráter precede a missão, o importante para avaliarmos o poder de uma igreja, se é potencialmente missionária, não é quanto dinheiro ela tem ou a profundidade da sua teologia, mas sim o caráter no coração de homens e mulheres de Deus, que estão à frente dessas igrejas.

Interessante que, no versículo 15, o texto começa a dizer o seguinte: “Conheço as tuas obras”, e o texto utiliza para obras a palavra “Erga” que vem de “Ergom”. E devemos entender a quais obras o Senhor se refere. Por que se Jesus quisesse se referir à vida pública, conhecida, poderia usar “Energuima”. Se ele quisesse se referir a vida comunitária, poderia usar “Ierguetel”, mas ele usou “erga” que se refere a vida diária, às coisas simples da vida. Em outras palavras, Jesus não está dizendo: ‘eu conheço suas grandes realizações, suas façanhas, aquele grande sermão que você pregou e mil pessoas se converteram’. Não é isso. Jesus está dizendo: ‘eu conheço a sua vida diária, sua intimidade, sua alma, eu conheço você, o que entra em sua mente, eu conheço seu caráter’, em outras palavras, Jesus não está dizendo que conhece o ministério amplo de Laodicéia, na verdade, eles foram desaprovados. Há uma diferença muito grande entre reputação e imagem, aquilo que você representa é caráter, aquilo que é verdade em seu coração.

William Davidson faz uma diferença muito oportuna entre reputação e caráter: ‘reputação é o que os homens pensam a seu respeito, mas caráter é verdadeiramente quem você é. Reputação é sua fotografia, mas caráter é sua fase. Reputação fará você rico ou pobre, caráter fará você feliz ou infeliz. Reputação é o que os homens dizem ao seu respeito no dia do seu funeral, e geralmente só falam coisas boas, independente de quem nós somos, mas caráter é o que os anjos falam de você perante o trono de Deus’. Isto é caráter, é a nossa verdade existencial, espiritual de vida na presença de Deus. É quem somos e Deus conhece verdadeiramente o nosso caráter. Uma das demonstrações bíblicas que encontramos a cerca de reputação e caráter, está registrado em Tiago 4.8, que diz que não devemos ser uma igreja com ânimo dobre. Sou filho de pastor, nasci em uma igreja literalmente falando (o meu quarto era uma classe de escola dominical). Fiquei incomodado, até a adolescência, com algumas palavras bíblicas meio complicadas para se entender, uma delas está em Tiago: ânimo dobre. O que quer dizer? E quando cheguei ao seminário, estudando o original, uma das primeiras coisas que fui buscar, é o significado para dobre; é uma palavra composta dipiseroi, em grego. Composta pela partícula di que significa dois, ou no caso duas, e pisiroi é o plural de pisere, que significa alma. Então dobre significa duas almas.

A figura que Tiago faz é, portanto, uma figura monstruosa de um homem com um corpo e duas almas, ou seja, uma alma quer Deus, mas a outra quer o mundo. Uma alma prega contra o pecado, a outra o aninha em sua vida. Uma alma é cheia de teologia e convicção bíblica, mas a outra alma não usa nada disso em sua vida diária. Uma alma é cheia de um conceito profundo de entendimento daquilo que Deus quer, mas a outra alma não faz nada do que Deus deseja em sua própria vida. Então, o que Tiago nos diz é que devemos ser como homem com um corpo e uma só alma, que deseja Deus, santidade, serviços, uma pessoa que compreende que o caráter vai muito além da missão e, sobretudo, verdadeiramente precede a missão.

Queridos, quando eu falo a respeito de caráter e de vida aos pés do Senhor Jesus, eu me lembro de uma história que aconteceu conosco quando trabalhávamos com a tribo dos Konkombas, em Gana, noroeste da África. Eu me lembro que o primeiro convertido da tribo foi o feiticeiro, Deus derramou muita graça, o nome dele é Meba, e hoje ele é presbítero na primeira igreja plantada lá: a igreja em Conija; somos 19 igrejas, e uma pequena que não tem liderança própria, mas podemos pensar em 20 igrejas. Meba foi o primeiro convertido, ele era o feiticeiro de Koni, teve experiência com Deus e trouxe consigo todos seus filhos e também sua esposa. Mas havia uma segunda pessoa influente na aldeia em Koni: Quedi, este era um aprendiz de feiticeiro regional, não como Meba, feiticeiro local, da aldeia. Quedi estava sendo treinado como feiticeiro regional, alguém que iria invocar o espírito maior, dentre os 250 espíritos que eles conhecem nominalmente. Quedi seria a única pessoa que poderia invocar o “Grumadi” que é o espírito mais poderoso, na visão KonKomba, aquele que até pode matar. E Quedi vivia em Koni, ele tinha algum contato conosco. Nós orávamos, jejuávamos e tentávamos com todas as nossas forças pregar o evangelho ao Quedi. Porque pensávamos o seguinte: o feiticeiro Meba se converteu, agora o Quedi, aprendiz de feiticeiro, digamos assim, para toda aquela região, se ele também se converter, nós quebramos o círculo da feitiçaria, do animismo fetichista entre os Konkombas na região de Koni, que é uma região muito estratégica para a tribo Konkomba. E orávamos, trabalhávamos e eu preguei o evangelho ao Quedi inúmeras vezes. E preguei utilizando as chaves culturais, Matoti, a troca entre crianças quando duas famílias estão em conflito e entrega o seu filho em troca de outro filho que é recebido também, eu usei uma outra chave cultural, que é Cartimen, o ato de pintar os umbrais de uma porta com sangue de uma cabra sacrificada com a intenção de prevenir a entrada do Grumandi naquela palhoça, fiz uma ponte com o Antigo Testamento e nada disso funcionou. E nós orávamos e pregávamos; eu usei umas 14 ou 15 abordagens diferentes para pregar e comunicar o evangelho ao Quedi, mas nenhum efeito. Ele era um rapaz de 22 ou 23 anos nessa altura.

Ele conhecia todas as formas de invocação demoníaca ao Grumandi, já era um expert na arte de sacrifício, rituais e de cerimônias fetichistas, ele era procurado e temido pelas pessoas. Ninguém olhava o Quedi ou para ele, ninguém o fitava, nem poderia dar as costas ou ficar mais alto que ele, era uma pessoa temida apesar da sua pouca idade. E eu me lembro que no meio dessa oração, da expectativa de vê-lo convertido, ele nos contou depois como foi a sua conversão. Ele estava na roça plantando inhame (os Konkombas cultivam basicamente só isso), em uma região árida, com influência do sul do deserto do Saara, e Quedi estava cultivando o inhame, e sempre havia dois rapazes, filhos do chefe da aldeia de Koni, que ficavam ao lado do Quedi onde ele fosse, com a intenção deliberada de não deixá-lo se aproximar muito dos cristãos. E os dois guarda-costas, digamos assim, estavam com Quedi naquela plantação de inhame, num final de tarde, e passou uma moça crente filha do Meba, uma jovem, talvez naquela época uma adolescente, com 15 ou 16 anos de idade, e ela passou cantando uma música que nós cantamos até hoje lá na igreja, essa música diz: “Deus me libertou, e Jesus pode fazer a mesma coisa com você”.

Ela não sabia que Quedi estava ali, e ia para o rio buscar água, mas quando ela cantava, não era muito alto; Quedi nos contou que aquela palavra entrou no seu coração e a única frase, expressão, o único pensamento que ele tinha em sua mente naquele momento era o seguinte: “eu preciso de Deus” e ele tentava racionalizar, “mas eu sou feiticeiro”, e o Espírito Santo confirmava em seu coração: “eu preciso de Deus”. Ele tentava se auto convencer: “mas eu sou a pessoa mais importante do fetichismo aqui na região”. E o Espírito Santo convencia: “eu preciso de Deus”. Ele largou o seu roçado e saiu correndo em direção a uma árvore, onde estávamos reunidos conversando e discipulando algumas pessoas, e aqueles dois rapazes correram atrás do Quedi tentando segurá-lo, mas ele correu mais rápido e chegou ali chorando. Eu me lembro daquela cena, tomei um susto porque o Quedi, feiticeiro promissor em toda região, correndo em nossa direção, fiquei estático e ele chegou, colocou-se de joelhos quebrantado e gritou: “eu sei que preciso de Deus!”, e ali ele se converteu aos pés do Senhor Jesus. E aqueles dois rapazes correram, chegaram após ele e nós falamos: “Quedi se converteu, querem se converter também?” Os dois se entregaram a Jesus.

O Quedi é hoje um dos presbíteros e pregadores da igreja Konkomba. O que eu quero lhes dizer é que, na minha visão e percepção pessoal, a pessoa ideal para pregar o evangelho que fizesse a diferença na vida seria eu. Missionário pioneiro entre os konkomba, já havia traduzido parte do Novo Testamento para a tribo, plantado uma ou duas igrejas Koni, a igreja de Molan e muitas pessoas haviam se convertido até então somente comigo e Rossana, minha esposa, mas nem toda visão de um homem de Deus é, necessariamente, visão de Deus. Na visão dEle, a pessoa ideal para plantar uma igreja a partir do Quedi era uma menina adolescente, que ia tranqüilamente para o rio carregando uma bacia para buscar água e dizia: “Deus me libertou e pode fazer o mesmo com você”. Queridos, o caráter precede a missão. O que faz diferença não é quanta Teologia ou conhecimento você tem, Deus pode usar esse conhecimento, mas Ele jamais usa uma pessoa que não tem o caráter de Jesus. Se nós queremos ser uma igreja missionária, pastores missionários, obreiros, crentes que fazem a vontade de Deus e cumprem a Sua visão, é necessário olharmos não só para o nosso potencial e serviço, aquilo que podemos produzir a partir da nossa capacidade humana, que é pouca e muito limitada. Devemos olhar para o nosso próprio caráter, como está nossa vida com Deus. É aí que começa missões.

A partir do coração que busca intensamente a Deus o caráter precede a missão. Neste texto há uma outra verdade que fala a respeito da obediência, que esta determina o avanço; quando pensamos no avançar da igreja, pensamos em elementos humanos. Jesus avalia sua igreja, não através de elementos humanos, se a sua catedral tem uma torre alta ou não, avalia a partir da santidade de vida que ele encontra no culto no meio dessa igreja. A obediência determina o avanço. Se olharmos para Apocalipse 3:17, veremos que Jesus afirmou que Laodicéia era uma igreja disfuncional e o motivo disso está no versículo 17: “Estou seco e abastado e não preciso de coisa alguma”, ou seja, o motivo da disfuncionalidade dessa igreja na Ásia era o pecado. E neste caso, ao meu ver, a soberba, eu estou rico, abastado e não preciso de ninguém, eu tenho o suficiente, não preciso nem de Deus, eu sei fazer. O pecado possui a habilidade de nos limitar, de nos incapacitar temporariamente. O pecado, na verdade, tem a capacidade de produzir um ministério estéril, uma igreja estéril, produzir um crente que tenha talvez muita reputação, uma imagem poderosa mas sem caráter. O pecado solapa aquilo que temos de precioso, que é a percepção da nossa missão na terra. Isto aconteceu com Laodicéia, eles se tornaram inúteis, não por causa da tentativa frustrada de terem em missiólogo no meio deles, de fazerem um grande congresso, ou uma consulta missionária, eles se tornaram inúteis porque abrigavam o pecado, a soberba em seus corações e, somente quando lidamos com ele e o tratamos como pecado, é que podemos avançar.

Quais são os desafios que temos perante nós quando tratamos desta missão e deste avanço da igreja? Um deles é o desafio étnico; há no mundo hoje 2.227 povos que desconhecem totalmente o evangelho de Jesus em suas vidas. Estes povos são visitados pela Word Mission International, e pela Vefe International, é um dos missiólogos renomados em nossos dias, Petek Jonhson; ele enumera esses 2.227 povos que desconhecem inteiramente o evangelho de Jesus, mas não apenas esses, há outros 4000 povos que possuem igreja, testemunhos, alguma conversão, mas que não possuem uma igreja forte suficiente para comunicar o evangelho ao restante daquela própria etnia; temos perante nós um desafio étnico. Dentre as 258 tribos indígenas brasileiras, eu falo isso com muita vergonha e constrangimento em meu coração, há hoje 103 tribos em nosso país, na nossa circunferência nacional, totalmente não alcançadas pelo evangelho de Jesus e sem presença missionária. E 40 destas tribos estão com as portas abertas para alguém que lhes fale de Jesus, mas não há. Estão na espera de uma igreja que, muitas vezes, nunca envia ou ora por um missionário; temos um desafio ético perante nós.

Temos também um desafio lingüístico; nós convivemos hoje com 6.528 línguas vivas, dentre essas, 336 em todo o mundo possuem a Bíblia completa; 928 possuem apenas o Novo Testamento, mas não de maneira completa. 918 possuem porções bíblicas, ou seja, a Bíblia está bem representada em 2.212 línguas em todo o mundo. Mas, segundo a Uigles tradutores da Bíblia, há ainda mais de 4.000 línguas em todo o mundo que não possuem sequer um versículo da Palavra de Deus traduzidos para o seu idioma. Segundo a ONU e, recentemente, a UNESCO, sabemos que há um bilhão e meio de pessoas no mundo que não sabe ler ou escrever, ou seja, se traduzíssemos a Bíblia para todas essas 4.000 línguas que ainda não a possuem, mesmo assim, um bilhão e meio de pessoas não poderão ler a Palavra de Deus traduzida. O evangelho ainda não chegou em muitos lugares.

Eu creio que o evangelho não chegou em muitos lugares não por falta de compreensão da extensão desta missão que Jesus nos confiou, mas sim pela nossa desobediência em cumpri-la. Eu acho que nenhuma igreja evangélica madura no mundo, pode se levantar hoje dizendo: ‘eu desconheço a missão’ ou, no Brasil: ‘desconheço que os indígenas precisam do evangelho’; o problema não é falta de conhecimento ou de missiologia, mas sim de obediência e de pessoas dispostas a cumprirem ao chamado do Senhor Jesus.

No dia 13 de agosto de 1727, um fato ocorreu na antiga Saxônia entre um grupo de Tchecos que ficaram conhecidos depois como Morávios ou Moravianos; nesse dia, depois de orações, buscando o avivamento de Deus, o Espírito Santo cai sobre eles e aquela igreja nasce na força do Espírito e tem ali um avivamento que iria durar mais de um século. E a igreja Moraviana, fruto de um avivamento, fruto de caráter, de santidade, de intimidade com Deus, começa então a enviar missionários e, ao longo de toda a sua existência de 20 anos de forte impulso missionário, eles enviam pouco mais de 2.600 missionários para todos os continentes conhecidos na época. Notem que, segundo a Sepal, todas as denominações evangélicas brasileiras em nosso país hoje não têm mais de 2.200 missionários além fronteiras. A igreja Maroviana enviou sozinha mais de 2.600 missionários. E eles invadiram várias partes do mundo, chegaram até a África do Sul e, através de uma consulta antropológica da qual eu participei em Botsuana, foi descoberta uma tribo quase isolada em nossos dias, que alguns missionários ingleses chegaram para alcançá-la e descobriram que já eram crentes; quando foram perguntar quem levou o evangelho, eles apontaram para uma árvore que estava ali há muitos séculos: “nós não sabemos mais os seus nomes, nossos pais já eram crentes antes de nós e nossos avós antes de nossos pais”, e naquela árvore de século de existência descascada semi morta, em baixo relevo estava uma figura de um cordeirinho carregando uma cruz, o símbolo dos Moravianos. Eles passaram por aquele lugar, chegaram ali com ardor missionário.

Porém o que quero dizer a vocês, na verdade, não é sobre o que aconteceu com os moravianos durante o ápice missionário, mas depois que o este movimento começou a ficar enfraquecido, porque não havia missionários e nem mais dinheiro para enviá-los também. Então, o Conde de Van Desendorf, sai da sua aldeia onde estavam os moravianos, vai para uma viagem missionária e se encontra com dois esquimós que o desafiam: “Conde, nós também queremos ouvir de Jesus”. Ele então volta para seu vilarejo e, incomodado com esse desafio, vai dormir; naquela noite ele sonhou com Jesus que conversava com Desendorf: “Eu quero alcançar os esquimós e você vai enviar o oleiro” (oleiro era um homem de meia idade, crente pacato na igreja, solteiro, uma pessoa sem muito brilho ministerial até então). Desendorf chama o oleiro, que fazia vasos de barro naquele vilarejo e diz: “eu tenho um desafio a lhe fazer; nesta noite sonhei com Jesus e quero alcançar os esquimós, você é nosso missionário, mas antes que você responda positiva ou negativamente, quero lhe dizer que, se você aceitar, vai sozinho porque não temos mais ninguém para enviar contigo, vai sem dinheiro porque não temos como financiá-lo, você vai se auto-sustentando e, se aceitar, acho que você nunca mais vai voltar, porque nós não sabemos exatamente onde estão os esquimós”. Desafio missionário tremendo, você vai sozinho, sem dinheiro, sem sustento e sem volta.

E aquele oleiro então diz a Desendorf: “eu quero um tempo para orar, preciso de dois minutos”, ele curva sua cabeça e ora, depois levanta sua face, olha para o Conde e diz: “Se o senhor me conseguir um par de sandálias usadas, amanhã cedo eu irei”. Desendorf vai até sua casa, pega o par de sandálias usadas, coloca nos pés do oleiro que volta para sua casa; no outro dia pela manhã, Desendorf bate à porta do oleiro esperando uma resposta, mas a vizinha corre ao seu socorro dizendo: “Conde, o senhor chegou tarde demais, ainda era de madrugada quando o oleiro me confiou todos os seus bens e disse: ‘eu tenho uma missão que é importante demais e não pode esperar’ e partiu”. Nós não sabemos o nome dele, desse missionário anônimo, não sabemos os detalhes da sua missão, mas sabemos o resultado desta viagem, que foi entrega inteira e total aos pés do Senhor Jesus. Hoje mais de 50% de todos os esquimós da terra são convertidos a Jesus. Isto porque no século XVIII, um homem exigiu não mais que um par de sandálias usadas para ser fiel a Deus e cumprir Sua missão.

Vamos ser sinceros, nós temos muito mais que um par de sandálias usadas, não é verdade? Eu tenho muito mais do que isso, vocês também. Deus tem nos dado mais do que o trivial, básico, e do que nós pedimos; a igreja pede e Deus dá, queremos construir um templo e Deus abençoa, queremos pagar bem ao nosso pastor e Deus derrama graça, uma casa pastoral, um acampamento e Deus abençoa ainda mais. E nós pedimos bens próprios para a nossa vida, família, e para nossos filhos um futuro, uma aposentadoria, e Deus vai derramando graças e não há nada de errado nisso, mas nós temos bem mais que sandálias usadas e nós nunca partimos, nunca fazemos, realizamos a vontade do Senhor nas nossas vidas; apenas recebemos. Falta-nos obediência, porque ela determina o avanço.

Nós tratamos sobre dois conceitos bem definidos em Apocalipse capítulo 3: caráter e obediência; o terceiro encontramos no versículo 20. “Mas no Reino de Deus, nós devemos entender que o sacrifício prepara a terra para o plantio”. No versículo 20 encontramos o seguinte texto: “Eis que estou à porta e bato, se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo”.

Na verdade este é um convite à igreja, não há nenhum pecado creio eu, em usarmos este texto em cultos evangélicos, não é? Jesus está à porta do seu coração e bate. Entretanto, obviamente este é um texto de Jesus para igreja não para os incrédulos. Jesus está dizendo, estou à porta e bato, se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, eu vou entrar e vou cear. Eu conversei com um rabino alguns anos atrás, ele é PHD em história de Israel, e estávamos conversando sobre alguns conceitos vétero-testamentários, e me lembrei deste texto, eu tinha dúvida sobre a posição histórica e o valor sócio cultural de cear. Conversei com ele e lhe perguntei sobre isso, e ele disse: “Para o judeu abrir sua porta, sentar à mesa e cear significa intimidade, parceria, geralmente convidamos alguém para cear quando nós temos um negócio a ser fechado”. Essa é a mente do judeu, quando temos alguma coisa a ser realizada, um acordo a ser assinado, então nós ceamos juntos, ou seja, estamos marcando uma parceria. Eu quero crer que quando Jesus bate à porta da igreja, ela ouve a sua voz, e se a igreja abre a porta (parece-me textualmente que nem todos vão ouvir ou abrir), mas se a igreja faz isso e Jesus entra e ceia com ela, começamos a nos tornar parceiros de Jesus, na sua visão e na sua proposta de missão.

Isso me leva ao fato sobre não sermos parceiros da visão de Jesus, porque nós, verdadeiramente, não O conhecemos. Não somos parceiros da proposta de vida que Jesus tem para nós porque não temos intimidade com Ele, não ceamos com Jesus, nós não sentamos com Ele. Pensamos na nossa reputação e imagem, nos holofotes, nas nossas torres, catedrais, mas raramente nós pensamos em Jesus. Porque no dia em que o fizermos, e abrirmos a porta da nossa casa e cearmos com Ele, ouvirmos Jesus, tirarmos as nossas dúvidas, tivermos intimidade com Jesus, creio que vamos querer cumprir os desejos dEle. Quais são os desejos de Jesus?

Se você reler o evangelho de Marcos, vai encontrar vários desejos do Senhor Jesus. Posso pontuar e apontar pra você um deles: Jesus quer ser conhecido entre todos os povos, línguas, tribos e nações. Concorda comigo? Se nós cearmos com Jesus, vamos querer cumprir seus desejos de maneira apaixonada.

Eu falei que o sacrifício é necessário para o avanço; se nós olharmos em Atos 8.1, veremos a figura de uma igreja pintada por Lucas, inspirada por Deus, a primeira igreja em Jerusalém. Notem que era uma igreja cheia do Espírito Santo (já havia passado o Pentecoste), das doutrinas de Jesus, unânimes na doutrina dos apóstolos com muita comunhão e uma igreja que aguardava em oração, ciente, fiel a Deus. Essa é a figura antes de Atos 8 que encontramos. Essa igreja que fazia a vontade de Deus sofreu. Uma das coisas que precisamos aprender e ser relembrados a respeito da expansão da obra missionária no mundo hoje é: andar na visão de Deus não isenta o crente do sofrimento. Eu não quero ser pietista, mas talvez já sendo um pouco, acho que andar na visão de Deus até atrai novos sofrimentos. Essa igreja em Atos 8 estava começando a ser perseguida e a dispersar.

E Lucas, inspirado por Deus, escreve três versículos usando três palavras que saltam aos olhos, quando lemos no original. O versículo 1 diz: “Levantou-se naquele dia grande perseguição em Jerusalém”. A palavra, no grego, para perseguição é dioguimós, uma palavra que vem do Grego Antigo, usada por parte do parlamento grego, no Grego moderno e significa, literalmente, um ataque físico violento, visível a todos. Quando Lucas diz que essa igreja está sendo perseguida e usa diaguimós, ele quer dizer que ela está sofrendo, melancólica, angustiada, pessoas sendo mortas, acusadas, encarceradas, ou seja, um ataque físico que todos podiam ver.

No versículo 2 ele diz que alguns homens piedosos sepultaram Estevão e fizeram grande pranto sobre ele. A palavra pranto é cópeton, de Cópetoz, que significa literalmente bater no peito. A figura seria aquelas mulheres palestinas quando perdem marido ou filhos e saem enlouquecidas pelas ruas, rasgando as suas vestes, jogando terra para cima, chorando amargamente; essa é a figura de cópetoz, bater no peito é um ataque emocional, é a dor do coração, a alma aflita, fragilizada, é o coração que dispara, a mente inquieta, que você não consegue dormir, entra em depressão profunda, essa é a idéia de Cópetoz, uma igreja que não apenas estava sob ataque físico com diaguimós, perseguição, mas sob ataque emocional com Cópetoz.

O versículo 3 diz que Saulo assolava a igreja. A raiz do verbo assolar é Leimainor, significa literalmente solapar/sucumbir aquilo que você crê. Solapar sua crença, corromper a sua fé. É a mesma raiz e está ligada a João 10:10 que diz que o diabo veio somente para roubar, matar e destruir. Essa é a idéia de destruição, fazer morrer a fé. O que nós vemos é uma igreja cheia do Espírito Santo, que orava, uma igreja crente, aos pés de Jesus, que sofria perseguição, ataques físico, emocional e também espiritual, ou seja, fazer a vontade de Deus não isenta o crente do sofrimento e do sacrifício. Nós somos pastores, missionários, crentes em Jesus e fomos chamados para uma missão: realizar os desejos do Senhor Jesus. Um deles é fazê-lo conhecido até aos confins da Terra entre tribos, línguas, povos, nações, cidades, vilarejos, São Paulo, Campinas, entre os Estados, sertão brasileiro, tribos indígenas. É fazer Jesus conhecido. Creio que se não abrirmos nossa boca para falarmos de Jesus, não é por falta de missiologia ou conhecimento da missão, mas sim por falta de intimidade com Deus. Porque uma igreja avivada faz a obra de Jesus. Uma igreja apaixonada cumpre os desejos dEle, O faz conhecido até aos confins da Terra.

Em 1876, Dom Capricio, Bispo Católico Romano, ministrava em uma Convenção hospedado em Toronto, sul da Itália/Canadá. Ele disse: “A Missio Dei, pela sua supremacia bíblica, dispensa a missão da igreja. Nós somos apenas contempladores das maravilhas do Deus que faz, portanto, não precisamos fazer”. Para mim soa um crente pós-moderno falando a mesma coisa, ou seja: ‘Deus já fez o que tinha que fazer, cuido eu da minha vida e daquilo que me interessa, que saceia minha necessidade existencial e o resto é com Ele’. Ou seja, somos contempladores, nos reunimos uma vez por semana em uma igreja com púlpito onde o pastor tem uma bela retórica, o coral com uma toga lindíssima vai cantar, eu fecho os meus olhos, contemplo ao Senhor, vou para minha casa e durmo sossegado, vou ganhar a minha vida e saciar os desejos do meu coração. Isto é, no mínimo, anti-bíblico, carnal, isto chega a ser um movimento, ou uma engerência psicológica na Teologia humana, uma engerência demoníaca. Porque quando ele diz que somos apenas contempladores, quer dizer que Deus não chamou a igreja para sua missão. A igreja não possui uma missão, não é uma agência que está sob as expectativas da realização de Deus. Isso é mentira, não é bíblico. Entretanto, infelizmente, essa frase poderia estar na boca de muitos crentes, em nossos dias, quem sabe até pastores, missionários, teólogos. Porque queremos sempre nos incluir nas bênçãos bíblicas e nos excluir da missão que está exposta na Palavra de Deus.

Nós queremos receber de Deus mas não queremos serví-lo. Devemos ter em nossas vidas esses valores: caráter, obediência, sacrifício, valores que não eram cultivados em Laodicéia e o que Jesus falou a eles quando olhou não foi para o seu templo, conhecimento, mas sim para o coração. Jesus falou: Estou a ponto de vomitar-te da minha boca, vocês são disfuncionais, não servem, não tem serviço nem missão. Tenho muito tempo para pensar, estamos trabalhando hoje no Amazonas e há uma aldeia que entre ida e vinda, geralmente são 7 a 8 dias de canoa, então tenho muito tempo para pensar, meditar, ler, escrever, e uma das coisas que veio à minha mente nesta última viagem no Rio Alpes, noroeste da Amazonas, está em Apocalipse 3: a forma como Jesus avaliou a igreja em Laodicéia. Mas qual é a avaliação que Jesus faz da nossa igreja ou denominação hoje? Vamos estreitar um pouco a pergunta: qual a avaliação que Jesus faz da sua igreja local, do seu e do meu ministério? Vamos personificar um pouco mais: qual avaliação que Jesus faria da minha vida pessoal, da sua vida pessoal, como Jesus avalia você? O que ele falaria a nosso respeito?

Alguns homens ao longo da história entenderam que era preciso sacrifício, se necessário, para seguir a Deus. E eles fizeram diferença na terra. Em 1874, depois de ler a biografia de David Brainar, missionário entre os indígenas na América do Norte, um jovem chamado William Carey foi tocado por Deus, que colocou a paixão em seu coração para alcançar os indianos. Ele saiu do seu país com sua família, entrou no navio e, naquela viagem, sua esposa ficou grávida e deu à luz um menino (a viagem demorou mais de 12 meses). Carey chegou na Índia e começou a pregar e traduzir a Palavra de Deus. Ele fez rascunhos, inicialmente em 7 línguas; depois de anos de trabalho, um incêndio tomou conta de sua casa e ele perdeu tudo, não havia computador, internet, backup, não havia nada disso. Seus rascunhos estavam totalmente perdidos; ele foi interpelado por um crente indiano ao que lhe respondeu: “eu sirvo a um Deus e, se necessário for me sacrificar, eu continuarei fazendo a missão”. E, realizando a missão que Deus lhe confiou de traduzir Sua Palavra, ele continuou seu trabalho e no final de sua vida realizou essa proeza, que lingüisticamente falando, seria uma loucura, ninguém acreditava. Aquele homem sozinho traduziu o Novo Testamento completo ou porções dele para mais de 20 línguas.

Eu me encontrei recentemente com um amigo meu, missionário em Bangladesh, e lhe perguntei qual é a versão bíblica que eles usam lá, ao que me respondeu: “nós temos três versões, mas usamos a melhor que foi traduzida por William Carey”. Deus sacode o coração de um homem que tem caráter, obediência, que sacrifica e faz a obra dEle avançar na Terra. Mas não foi apenas Carey.

Em 1945, Deus levanta uma mulher, solteira, baixinha, franzina, lá na América do Norte; ela estava passando por uma praça em Nova Iorque, um pregador de rua falava de Jesus, ela se converteu, derramou-se na presença do Senhor e recebeu um chamado para fazer diferença na Terra. Ela disse: “eu quero ser missionária”. Seu nome é Sofia Muller, ela saiu da América do Norte em direção a Colômbia. Entrou no Rio Insana, um rio que começa na Colômbia, entra na selva amazônica brasileira e a percorre por mais de 1.000 km e Sofia Muller, sozinha há mais de 40 anos no ministério, serve ao Senhor Jesus na Amazônia Brasileira evangelizando duas tribos: Curipaco e Baniva. Encontrei-me com dois indígenas anciãos curipacos, crentes em Jesus, que tiveram o privilégio de remar a canoa para Sofia Muller há décadas atrás. Eles me falaram: “pastor, aquela mulher tinha o fogo do Espírito Santo, porque ela pregava de dia e à noite nos fazia viajar, era perigoso mas ela viajava a noite para não gastar tempo de dia, os índios dormindo e ela viajando, remávamos a canoa mas ela não dormia, usava o seu candeeiro, aquela lamparina, e durante a noite traduzia o Novo Testamento para a língua Curipaco”. Hoje eles têm o Novo Testamento completo na língua deles.

É interessante que ela plantou dezenas de igrejas ao longo do Rio Insana e uma vez por ano um milagre acontece: uma conferência em que eles reúnem, pelo menos, um representante de cada aldeia evangélica ao longo deste rio, entre as tribos Curipaco e Baniva. Tive o privilégio de participar de uma dessas conferências. Esses representantes saem das suas aldeias, dias de canoa, dias de caminhada na mata e, numa data pré-determinada, com uma boa bandeira, encontram-se numa grande clareira em algum lugar ou aldeia na mata, e ali dobram seus joelhos, fincam aquelas bandeiras no solo e oram a Deus, agradecendo porque um dia Ele chamou a sua filha Sofia Muller e ela respondeu sim. E começa aquela conferência missionária abençoadíssima que leva dias. Sofia Muller faleceu na América em 2000, com 93 anos de idade. Antes de falecer ela foi entrevistada por um jornalista evangélico; a primeira pergunta que ele lhe fez foi: “Como foi o seu chamado?” Ao que ela respondeu: “Eu jamais tive um chamado, li uma ordem e a obedeci”. Para ela, o que há na Palavra de Deus, já era forte o suficiente para estar mais de 40 anos de sua vida na selva sozinha, falando de Jesus àqueles que ainda não tinham ouvido.

Eu creio que o evangelho pode chegar rapidamente a tribos, línguas, povos e nações, porque creio num grande avivamento espiritual, que é possível. Eu creio que isso vai acontecer no momento em que uma igreja se quebrantar na presença de Jesus dizendo: “eu quero ter o caráter de Cristo”. No dia em que homens, mulheres, pastores e leigos puderem olhar para Deus falando: “eu quero obedecer”. No dia que até as crianças, os anciãos olharem para Jesus dizendo: “mesmo se for necessário o sacrifício, nós iremos pagar o preço, que é alto, mas nós vamos pagar esse preço porque Jesus vai ser glorificado através da minha vida”.