27 de março de 2010

UM POUCO DO ATACAMA

O missionário deve considerar o valor da pesquisa do lugar onde passará um dia. Deve saber da inexistência de dois lugares exatamente iguais, daí haver diferenças diversas e até profundas. Exemplificando, para alguém que já pensou em residir no Chile e ter que viajar pelo Deserto do Atacama, o conhecimento é tudo. Vale muito o interesse pelas pesquisas. Neste texto, uma ajuda inicial.

O Deserto do Atacama, no Chile, é um desses lugares difíceis de descrever com vagos adjetivos. Poderia optar entre um “belíssimo”, “maravilhoso”, “estupendo” ou apenas um “diferente, muito diferente”. O Atacama é tudo isso e outras qualidades mais, embora tecnicamente não passe de uma imensidão árida, que nada produz além de frio, calor e pó. Mesmo assim é fantástico.

Para entender a força dessa aparente contradição é preciso levar em conta que, ao contrário do que se supõe da idéia de deserto, o Atacama nada tem de monótono. A paisagem é incrivelmente variada. Dunas, lagoas, vulcões, salares, gêiseres... compõem cenários surreais numa geografia de recortes estranhos.

A sensação é a de pisar em outro planeta. Numa planície reta como mesa de bilhar elevam-se, solitários, monumentos de pedra de dezenas ou centenas de metros de altura. Piscinas de água fervente expelem colunas de vapor no ar gélido da manhã. Fontes de águas termais brotam do interior de um cânion. Vulcões ativos no horizonte soltam fumarolas e desafiam os trekkers mais corajosos. O Atacama fascina tanto que é raro encontrar alguém que volte de lá indiferente.

O deserto chileno fica ao norte do país, a cerca de 1.600 km de Santiago, na fronteira com a Bolívia. Estende-se por uma área equivalente ao Estado do Paraná, numa espécie de prolongamento entre duas cordilheiras, a dos Andes e a do Sal. É tido como o deserto mais seco do mundo, mais até do que o Saara, na África, este o maior em tamanho. Em alguns lugares não cai uma gota de chuva há décadas. Há pouca vida, poucas plantas, poucos insetos. Mas, aqui e ali, surgem oásis ao longo de pequenos rios formados pelo degelo de neve das montanhas. É essa água que garante a permanência de moradores de 17 povoados instalados em plena secura, vivendo da agricultura de subsistência e da criação de cabras e lhamas.

Cultura

O desembarque é feito no Aeroporto de Calama, a 105 km da vila de San Pedro de Atacama, a porta de entrada para conhecer as curiosas paisagens da região. Só o caminho até lá, passando pelo Vale da Morte e por cenários que parecem saídos de filme de ficção científica, já é uma atração à parte. A vontade é a de parar a van diversas vezes antes mesmo de chegar. O veículo, porém, não passa dos 70 km/h porque o ar rarefeito da altitude andina não deixa.

Portanto, é devagar que chego a San Pedro de Atacama. O vilarejo é minúsculo, conta com pouco mais de 5 mil almas. Surgiu na década de 1960, quando servia de ponto de parada das comitivas de gado que vinham da Argentina para o norte do Chile. Daquele tempo, sobraram as ruas de terra e as casas baixas e rústicas, com paredes de barro.

Os telhados não passam de uma cobertura de palha, apenas para proteger do sol, já que quase nunca chove. A imagem mais próxima seria a de uma vila de faroeste americano, só que com hippies no lugar de caubóis. Quem vai ao Atacama fica por lá. E adora. Justamente por não ser uma cidade como outra qualquer. Os turistas dominam o local, embora os cachorros que vagabundeiam pelas ruas sejam quase em mesmo número. Tanto que a cidade ganhou até o apelido de San “Perro” (cachorro, em espanhol).

Apesar da aparente rusticidade, San Pedro oferece uma boa estrutura para receber visitantes do mundo inteiro, desde mochileiros que pagam US$ 10 na diária de um quarto coletivo nos albergues àqueles que se hospedam nos hotéis mais sofisticados, como o famoso Explora e o novíssimo Tierra Atacama. Os bons hotéis já são quase uma dúzia espalhados ao redor da cidade. Todos carregam o conceito de eco-lodges, pequenos, estilosos e confortáveis, porém sem ostentação. Não há resorts ou construções verticais porque a lei local proíbe, para não descaracterizar o lugar.

Gastronomia

A cozinha chilena é muito rica e variada, além de ser uma das cozinhas mais saborosas do Cone Sul. Sua gastronomia baseia-se, principalmente, na tradição culinária espanhola.

Os chilenos temperam a carne com muitos ingredientes. Existem carnes muito variadas que podem ser consumidas cozidas, como o ajiaco com cebola, ají, batatas, pão e suco de limão e laranja ou a cazuela, de origem espanhola, consistente em um cozido de pedaços grandes de carne, seja vaca, frango ou porco, com batatas, abóvora e choclo (milho tenro), acompanhado de arroz.

A carbonada é uma carne frita cozida com diversas verduras, entanto que o charquicán, prato autenticamente chileno (provavelmente de origem mapuche), é uma mistura de carne ou charqui, preparada com uma variedade de verduras e servida com cebolas em escabeche. A região oferece diversas opções de pratos típicos, como a empanada e peixes ou frutos do mar preparados das mais diversas maneiras.

A rua principal, a Calle Caracoles, é repleta de restaurantes, lojas de artesanato, casas de câmbio e agências de turismo. À noitinha, depois de um dia de passeio e de um banho quente, todo mundo – com exceção de quem paga as diárias nos all inclusive – vai para lá escolher um lugar para jantar.

Os restaurantes Adobe e El Milagro em San Pedro de Atacama também são ótimas pedidas!

Roteiros

Seja hospedado num albergue ou num hotel de luxo, a rotina no Atacama é a mesma para todos: levantar cedo e sair rumo aos passeios. A oferta de roteiros é bastante variada e para todo perfil de turista, tanto para quem não curte longas caminhadas e prefere que a van estacione bem ao lado do melhor ponto para fotografia, como também para os aventureiros que preferem interagir mais intimamente com a natureza e sentir o vento no rosto, andando em trilhas ou em passeios de bicicleta.

São mais de 370 rotas diferentes que se pode fazer, ou seja, daria para passar um ano inteiro no Atacama fazendo passeios todos os dias sem repetir um único sequer. E mesmo assim, não daria para ver tudo.

Ninguém deixa de ir ao Vale da Lua, que fica bem perto da cidade, um lugar com formações rochosas pra lá de curiosas. Depois de pisar ali não é difícil tentar imaginar como seria a superfície de Marte. Tanto que a própria Nasa utilizou-se do lugar para testar os robôs que enviaria em pesquisas ao planeta vermelho.

O passeio ao Vale da Lua inclui quatro pontos de parada. No primeiro deles, o guia pede silêncio para que se possa ouvir estalos fantasmagóricos, espécie de “crec-crec”, provenientes do interior das paredes rochosas de sal. O fenômeno é provocado pela dilatação das rochas (com sal e gesso na sua composição) ao longo do dia. Na segunda parada pode-se subir ao topo de uma grande duna e fazer, lá de cima, algumas das melhores fotos da viagem. E o passeio segue até uma curiosa formação de pedras chamada Três Marias e termina no alto de um mirante ao pôr-do-sol.

Outro passeio bastante procurado leva à Laguna Cejar. Chega a ser difícil de acreditar que exista lagoa no deserto. Mas o Atacama todo parece uma mentira. A curiosidade da Laguna Cejar é a água, de cor verde-esmeralda, que não deixa o corpo afundar. Você pode tentar, mas terá de se esforçar para conseguir mergulhar. Isso por causa da quantidade absurda de sal na água, que a torna mais densa, a exemplo do que ocorre no Mar Morto. É como deitar num colchão d’água. Você pode até levar uma revista para ler tranqüilamente enquanto o corpo bóia, sem precisar mover um músculo. Até as bordas da lagoa são de cristais de sal – bem afiados, aliás. Só se deve entrar de chinelo para não se cortar. E para tirar o sal do corpo, as vans levam chuveirinhos e garrafões de água mineral.

Para conhecer o cartão-postal do Deserto do Atacama embarquei num passeio de um dia inteiro que leva às Lagunas Altiplânicas. São duas lagoas de águas azuis, Miscanti e Miñiques, cercadas por vulcões, localizadas numa planície a 4 mil metros acima do nível do mar. San Pedro está a 2.400 metros, o que não costuma ser problema. Mas à medida em que a van sobe o Altiplano Andino em direção às lagoas, o ar torna-se cada vez mais rarefeito. Algumas pessoas podem sofrer com o soroche, o mal da altitude, cujos sintomas se manifestam em forma de dor de cabeça, enjôo, tontura ou tudo isso junto. Beber chá de coca no café da manhã do hotel pode ajudar a prevenir o problema. Como precaução, algumas agências levam balões de oxigênio para quem sentir os primeiros sintomas.

A paisagem, porém, compensa qualquer sacrifício. E a chegada é em grande estilo, pelo alto do morro, vendo as duas lagoas de cima. Ali, você faz uma foto clássica do Atacama: o vulcão ao fundo, a água azul do lago, o brilho branco ao redor das margens (é reflexo do sal acumulado na água) e os arbustinhos dourados – que eles chamam de paia brava – em primeiro plano.

A estrada que leva ao altiplano passa também pelovilarejo de Toconao e contorna o Salar de Atacama, um dos maiores do planeta. Trata-se de uma imensidão branca e retilínea – com 100 km de comprimento por 80 km de largura –, onde o chão é puro sal petrificado. O Atacama foi fundo de mar há milhões de anos, o que explica os salares e os fósseis de animais marinhos encontrados na região.

Paramos, então, ao lado da Lagoa Chaxa, dentro do Salar de Atacama, para ver dezenas de flamingos, que passam o dia com o bico enfiado na água se alimentando de microcrustáceos. Nas madrugadas mais geladas de inverno, os flamingos, que dormem com um só pé na água, ficam presos no gelo que se forma em volta deles e precisam esperar pelo sol da manhã para se libertar.

A pressão interna dos gêiseres provoca violentos borrifos de água fervente que, em contato com o ar gelado da manhã, formam colunas de vapor iluminadas pelos primeiros raios de sol da manhã. Ao redor dos gêiseres maiores foram construídos murinhos de proteção com a finalidade de evitar acidentes com os turistas. Segundo os guias, muitas pessoas já morreram ali, caindo distraidamente dentro dos gêiseres.

Os sintomas desagradáveis da altitude também podem atacar nesse passeio. Por isso, dá-lhe chá de coca. Os hóspedes dos hotéis têm o privilégio de tomar o café da manhã ali mesmo, em mesas montadas ao ar livre.

Num resumo simples: o Salar de Tara, a 4 mil metros de altitude, é um conjunto de paredões rochosos que formam um corredor. É possível caminhar por ele até desembocar em um lago cheio de flamingos. No caminho até lá, além de grupos de vicunhas à beira da estrada, você passa pelos chamados Los Monges ou Moais de Tara, pedras imensas de quase 30 metros de altura que surgem, solitárias, no meio do nada, quebrando a monotonia da vastidão reta da planície altiplânica.

Entre os passeios menos concorridos também estão as caminhadas ao topo dos vulcões da região. Existem cerca de 30 deles no Atacama, vários ainda ativos e sujeitos a erupções, numa região conhecida como “el cinturón de fuego de los Andes”. O mais temido é o Láscar, cuja cratera expele constantes fumarolas. São 2h30 de caminhada até o cume e exigência de máscara de proteção contra o gás sulfúrico tóxico.

O Licancabur, por sua vez, é o mais famoso e soberano na paisagem, postado como um gigante – está a 5.976 metros – que guarda os mistérios e belezas do deserto. O formato cônico, com o pico nevado, parece saído do desenho de uma criança talentosa. Se hoje impressiona, imagine o poder que deveria exercer sobre a mente dos primitivos homens do Atacama. Em expedições arqueológicas foram encontrados vestígios habitacionais nas encostas do vulcão a quase 5.200 metros de altitude.

Quando Ir

Faz sol o ano inteiro no Deserto do Atacama. Portanto, não se preocupe: o tempo vai estar sempre bom. Dias nublados e uma ou outra garoa tímida podem ocorrer só em janeiro ou fevereiro. Já no inverno, entre junho e julho, a temperatura cai bastante, podendo chegar até -10º C nas noites mais frias. Nessa época, as montanhas e os campos ficam cobertos de neve. O ideal mesmo é ir entre abril e junho, e de setembro a novembro, quando o céu está ainda mais estrelado e os preços são de baixa temporada.

Onde Fica

O Deserto do Atacama fica no norte do Chile, perto da fronteira com a Bolívia e o Peru, a 1.600 km de Santiago. Ocupa uma área de 700 km de comprimento por 400 km de largura. A maior cidade da região é Antofagasta, mas o desembarque é feito em Calama, a 80 km de San Pedro de Atacama.

Por: Viaje Mais

19 de março de 2010

O POVO IBERO-AMERICANO NO PLANO DE DEUS

Talvez o leitor não saiba do grande destaque que a Península Ibérica (constituída por Espanha e Portugal) tem na Bíblia. Ela possui um papel de importância última no plano de Deus para a evangelização do mundo. Embora quase desconhecidas, estas observações são relevantes, especialmente frente ao Congresso Missionário Ibero-Americano realizado em novembro de 1987, em São Paulo (COMIBAM 87).

A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO ANTIGO TESTAMENTO

Há várias referências, no mundo antigo, a um lugar chamado Társis ou Tártissus. Era uma cidade fenícia e mercantil conhecida desde o século XI a.C. Situava-se ao sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir, do lado atlântico do Estreito de Gibraltar. Em todo o Antigo Testamento, Társis é considerada "os confins da terra" ou extremis terris.

Por isso, Jonas, querendo fugir da presença de Deus, embarcou num navio que ia para Társis — o lugar mais distante de que se tinha notícia na época (Jn 1.3).

Este é, também, o sentido do Salmo 72. Aqui, o rei messiânico dominará "... desde o rio..." (o Eufrates, no extremo leste) "... até aos confins da terra" (72.8). A explicação vem dois versículos depois, na referência a Társis e às ilhas no extremo oeste (72.10). A ideia é semelhante à de Mateus 24.14, Apocalipse 5.8-10 e 7.9-10, onde se lê que, antes do fim, o evangelho do reino deverá ser pregado entre todos os povos da terra para que estes prestem culto ao Messias.

Assim se esclarece Isaías 66, que também relata a adoração prestada ao Senhor por parte de todos os povos, anterior ao estabelecimento de novos céus e nova terra e antes do fim (66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhor enviará alguns "salvos" para falar dele até as mais remotas terras do mar, que jamais ouviram falar do Senhor nem viram sua glória (66.19). Ora, estas terras incluem Társis, Lude e Tubal, na Ásia Menor, Javã, na Grécia, e Pui, provavelmente na Líbia ou em Cirene. Povos destas nações irão a Jerusalém como oferta para o culto mundial que inaugurará o fim. Mas não são somente alvos missionários, pois alguns deles se tornarão sacerdotes e levitas, isto é, estes também trarão ofertas, a oferta da evangelização (66.20s.). Portanto, a Península Ibérica será alvo e instrumento missionário.

A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA EVANGELÍSTICA DE PAULO

Certamente, esse pano de fundo contribuiu para a visão missionária do apóstolo Paulo. Por isso ele queria tanto chegar à Península Ibérica (Rm 15.24). Três documentos do primeiro e segundo séculos alegam que Paulo, de fato, chegou à Espanha, mas o Novo Testamento não nos diz nada sobre isso. Em 1963, a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueu uma estátua do apóstolo comemorando sua ida até lá.

Como apóstolo dos gentios, e à luz de Isaías 66, Paulo queria chegar aos confins da terra — a Península Ibérica. Ele desejava levar para Jerusalém povos não só da região que já havia evangelizado (desde Jerusalém até o Ilírico, conforme Rm 15.19 — as nações, de Isaías 66) como também da Península Ibérica (Társis), antes do fim. E estes ibéricos, por sua vez, dariam testemunho lá, como instrumentos missionários.

Isto não quer dizer que Paulo entendia que a volta de Cristo dependia unicamente dele. Ele não se via como o único apóstolo entre os gentios (nem o último), mas como um apóstolo único, no sentido de ser precursor e exemplo para todos os demais. Assim, sua dupla estratégia evangelística (até os confins geográficos da terra e entre os povos não-evangelizados) seria precursora e exemplar para a obra de evangelização até hoje.

O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL

Os povos de origem luso-hispânica — quer sejam europeus, americanos, africanos ou asiáticos — ocupam um papel crucial nas últimas fases do alcance final dos povos ainda não-evangelizados. Não são apenas alvos missionários vindos das extremidades da terra para a adoração do Senhor, mas, como Paulo, irão até os confins da terra pregar aos povos não-evangelizados (Rm 15.20).

Mas aqui se faz necessária uma advertência. Muitos missionários norte-americanos tiveram, durante o último século (e alguns têm, infelizmente, até hoje!), um sentimento de destino divino, não só por trás de seu chamado missionário, mas também de sua cultura. O resultado trágico tem sido a transmissão do evangelho com uma atitude de superioridade e paternalismo. Qual o líder cristão ibero-americano que não encontrou isto?

No meio de tanta conversa boa sobre o grande potencial missionário dos povos ibéricos — suas características de mobilidade, personalismo, profunda es¬piritualidade, laços históricos etc, há uma perigosíssima tendência de negligenciar as falhas e pontos fracos dos missionários norte-americanos. Precisamos aprender com nosso próprio contexto missionário.

A vez dos povos ibéricos não surgiu agora. Desde o início, Deus tinha um papel crucial reservado para eles. Sigamos os admiráveis exemplos da história, enquanto permanecemos bem conscientes daqueles que não o são.

(Missões na Bíblia, Princípios Gerais - Apêndise A.
Timóteo Carriker - Vida Nova)

15 de março de 2010

DESCENDENTES CANIBAIS PEDEM PERDÃO À FAMÍLIA DE MISSIONÁRIO


Descendentes de canibais pedem perdão à família de missionário devorado há 170 anos

Os herdeiros de um homem que foi devorado por canibais em uma pequena ilha do Pacífico há 170 anos voltaram pela primeira vez ao local da morte de seu ancestral para fazer parte de uma singular cerimônia de reconciliação. O ritual se deu na pequena ilha de Erromango, uma das ilhas que compõem a nação de Vanuatu, onde em 1839 os indígenas mataram e devoraram o reverendo John Williams, um dos mais reconhecidos missionário de seu tempo, e seu colega James Harris. Desde então os nativos crêem ser vítimas de uma “maldição”, que querem desfazer agora que o catolicismo é cada vez mais forte na ilha. “O povo de Erromango sempre teve sobre si o peso de ter matado um missionário. Eles acham que foram amaldiçoados e é por isso que essa reconciliação é tão importante”, disse à BBC o presidente de Vanuatu, Iolo Johnson Abbil. “Desde que passamos a nos considerar como um país cristão, era necessário que Erromango passasse por isso.”

Canibalismo

Em 1816, aos 20 anos de idade, John Williams abraçou a vida de missionário dedicando-se à catequização de indígenas da Polinésia sob os auspícios da Sociedade Missionária de Londres. Dedicou-se à atividade por mais de duas décadas. Em sua última viagem, ele aportou em 1839 a bordo do navio Camden na baía de Dillons, no arquipélago a mais de 1,5 mil quilômetros a leste da Austrália que ainda viria a se tornar Vanuatu. Ali, dias antes, nativos de Erromango haviam sido mortos por comerciantes europeus de sândalo. Em meio à hostilidade, os dois foram mortos e canibalizados pelos nativos, assim que puseram os pés em terra.

“Harris, que estava mais adiante, foi abatido a clavas e morto. John Williams se virou e tentou correr para o mar. Eles o alcançaram na costa. Ele também foi abatido, flechado e morreu nas águas rasas”, contou um dos descendentes do missionário, Charles Milner-Williams, 65.

O antropólogo Ralph Regenvanu, membro do Parlamento de Vanuatu e um dos que propuseram a reconciliação, disse que os homens provavelmente foram mortos porque representavam a “incursão” do homem branco na terra indígena.

“O canibalismo era praticado de forma de ritual e considerada uma atividade sagrada. Muitas vezes era uma maneira de derrotar uma ameaça, de absorver o poder do inimigo”, disse o antropólogo.

“John Williams pode ter sido morto e devorado porque representava essa ameaça, essa incursão da civilização europeia que estava chegando a Erromango naquela época.”

Reconciliação

Na cerimônia de reconciliação, à qual compareceram 18 descendentes do missionário Williams, a morte dos dois homens foi reencenada. Dezenas de descendentes dos moradores de Erromango à época fizeram fila para pedir o perdão da família. Como demonstração de afeto e respeito, a baía de Dillons, onde ocorreu o incidente, foi renomeada de baía de Williams. “A reconciliação é parte da nossa cultura. Pedir perdão é uma parte do cerimonial, mas não a única”, disse Regenvanu. “A reconciliação requer algo de ambos os lados, há sempre o elemento da troca.” A família de Williams concordou em amparar a educação de uma garota de sete anos de idade, que foi ritualmente “entregue” à família como compensação pela perda do missionário. Para o parente de Williams, Charles, o ritual foi emocionante.

“Vim sem saber o que esperar e saio, curiosamente, com minha fé restaurada e me sentindo renovado”, afirmou Milner-Williams, que vive em Hampshire, no sul da Inglaterra.

“Pensei que após 170 anos eu não sentiria nenhuma emoção, mas a pureza dos sentimentos, o arrependimento genuíno e a tristeza, de partir o coração, foram bastante tocantes.”

www.vedeoscampos.blogspot.com

10 de março de 2010

"INDIO NÃO É FRÁGIL NEM IDIOTA"

Etnolinguista e missionária da JOCUM, ela defende a presença de evangélicos nas tribos do país

Marcelo Santos

Quando saiu de Belo Horizonte (MG) aos 17 anos para juntar-se à organização Jovens Com Uma Missão (JOCUM), Bráulia Inês Ribeiro, 45, não imaginava que se tornaria uma das missionárias mais conhecidas do Brasil. Também não fazia ideia de que, por anos a fio, trabalharia entre povos isolados da Amazônia, o que a tornaria a principal porta-voz da missão em questões indígenas. Ela também não poderia imaginar que, em 2005, estaria no centro de uma polêmica reportagem de TV, na qual a JOCUM seria acusada de promover a destruição da cultura dos índios por tentar livrar da morte duas crianças suruwahas, do Amazonas - como noticiado por Graça/Show da Fé, na reportagem Um crime diferente (edição 76).

Bráulia, na época, era presidente da missão, que atuava com certa tranquilidade entre os silvícolas. Mas a tal reportagem de TV, cuja repercussão perdura até hoje - desdobrando-se em outras acusações infundadas, como mostrado em Graça/Show da Fé na reportagem Dossiê do barulho (edição 111) -, colocou a JOCUM no centro da delicada discussão acerca da presença missionária entre os índios brasileiros.

Casada com o missionário Reinaldo Cazão Ribeiro, dirigente da JOCUM de Porto Velho (RO), Bráulia é formada em etnolinguística pela Universidade das Nações, no Havaí (EUA), e é mestre em Linguística Antropológica pela Universidade Federal de Rondônia. Autora do livro O chamado Radical (editora Atos) - no qual relata algumas de suas primeiras experiências entre os índios -, ela também presta assessoria linguística e antropológica às equipes da instituição que trabalham nas tribos, além de lecionar no campus da Universidade das Nações, em Porto Velho.

Ela atendeu a reportagem de Graça/Show da Fé para falar sobre o atual e preocupante cenário para as missões evangélicas entre os indígenas, as quais, cada vez mais, encontram diversas dificuldades para cumprir a vocação de servir os índios e proclamar o Evangelho da salvação.

A JOCUM tem sido atacada devido à sua presença entre os índios. São várias acusações, que chegam por meio de programas de TV, dossiês e reportagens em revistas de circulação nacional. Por que a missão tem protagonizado essa polêmica?

Creio que fomos os primeiros a expor publicamente as incoerências da política indigenista brasileira, principalmente no caso da Tititu, a menina suruwaha que nasceu com defeito congênito e deveria ter sido operada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo. A polêmica sobre a questão, o procurador do Ministério Público dizendo que ela não poderia ser operada simplesmente porque era indígena, a incompetência flagrante da Fundação Nacional do Indio (Funai) e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para lidar com o caso mostraram ao Brasil o lado sombrio do indigenismo tão romântico praticado no país. E a JOCUM foi a protagonista nisso. Depois desse acontecimento, passamos a lidar com a mídia nacional constantemente.

O caso de Tititu foi emblemático. Mas a criança, depois de operada, morreu no início deste ano. Por quê?

Depois da cirurgia, a menina precisava de cuidados médicos periódicos. A medicação não poderia ser interrompida de repente, pois poderia causar algum tipo de dano renal e, consequentemente, uma desidratação fatal. O pai dela é inteligente e tinha muito compromisso com a saúde da filha. Moisés, nosso missionário na área, ensinou Naru, o pai, a medicá-Ia, que o fez corretamente. Mas a Funasa nem sempre enviava a medicação a tempo, apesar de ser um remédio barato e bastante acessível. Muitas vezes, nossa equipe teve de ligar para Manaus e até para Brasília, a fim de exigir que a Funasa enviasse a medicação. Houve uma ocasião em que eles chegaram a jogar, de avião, um medicamento errado, muito mais forte. Se o missionário não estivesse na área, a menina teria morrido ao receber aquele remédio. Em 2008, fomos proibidos, oficialmente, de estar na área, e, em janeiro deste ano, a menina morreu de desidratação, o que só pode ter sido causado pela falta do medicamento. Imagino que seus pais devem ter sofrido muito ao perder a menina por quem tanto lutaram e que sofreram para salvar. Tivemos acesso à gravação da conversa do técnico de saúde que estava na área e do médico que lhe dava apoio na cidade de Lábrea (AM). Parecia haver um desconhecimento total do prontuário dela e da medicação que ela deveria tomar.

A denúncia sobre o infanticídio (a prática indígena de assassinar bebês e crianças com defeitos congênitos) "aqueceu" a discussão sobre o papel dos missionários nas tribos. Enquanto uns acreditam que os índios devem ter o direito de conhecer Jesus, outros defendem que o papel do missionário deve limitar-se à prestação de ajuda humanitária. Há um consenso sobre como fazer missão transcultural?

Creio que limitar o acesso de um grupo à informação de qualquer espécie é privá-Io de um direito humano essencial. As missões transculturais, em sua grande maioria, são conscienciosas e preparam bem seus missionários. Levar o conhecimento do Evangelho ao índio não é um ato de imposição religiosa, mas consiste em dar a eles acesso a uma informação que, na verdade, tem por objetivo completar sua visão de mundo, não destruir tal entendimento, como alegam alguns. O índio não é frágil nem idiota, como pretendem os defensores do isolamento cultural. Eles sabem muito bem separar o "joio do trigo" e são capazes de aceitar apenas o que Ihes interessa.

O que a Igreja Evangélica precisa saber sobre a presença missionária entre os indígenas, para que o debate sobre as missões junto aos índios ultrapasse os guetos religiosos e contagie toda a sociedade?

A questão principal é nossa visão de quem é o índio. Eles são seres humanos como nós e, portanto, possuem direito à cidadania plena, a garantias essenciais asseguradas pelo governo, ou serão eles grupos humanos "primitivos", que têm de ser preservados de alguma forma? Se permitirmos que o governo trate seus cidadãos indígenas com injustiça, fundamentado em uma falácia sobre sua identidade, seremos coniventes com uma visão de sociedade que, um dia, vai nos prejudicar diretamente. Nosso papel como sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13, 14) é prover a sociedade com referências sobre o valor intrínseco e incondicional de cada indivíduo, requerendo de nossos governantes leis que respeitem esse valor. A Igreja Evangélica no Brasil tem sido conivente com a visão governamental dos índios incapazes e menos humanos. Por muitos anos, temos permitido que uma legislação preconceituosa separe humanos de humanos e determine a falta de liberdade e o apartheid civil dos povos indígenas. A questão dos índios, portanto, não é religiosa, mas de direitos humanos essenciais, liberdade civil e justiça social.

(Revista Graça Show da Fé, edição 124)